Arte Atual Festival - Coisas Sem Nomes
Paulo Miyada

DIÁLOGO 2


- Estão rachando.

- O quê?

- As coisas de argila, estão rachando.

- As esculturas?

- Bom, se você quiser chamar aquilo de escultura.

- Ué, o que mais seriam, senão esculturas? Estão em bases, são feitas de argila, ficam equilibradas, lembram formas que reconhecemos da História da Arte.

- Isso! Lembram, mas nunca estão “à altura”, por assim dizer. Você acha que está vendo uma forma muito sóbria, cujos contornos resultam do choque entre o peso da matéria e o gesto conformador do artista e – de repente – percebe que aquilo não se leva tão a sério. Sabe, você olha para o lado e tem outra peça, um disco achatado ovoide com cortes que, ao remover pedaços da argila, fazem o desenho de uma cara, um tipo de máscara bidimensional!

- Você quer dizer que parece escultura, se comporta como escultura, mas não obedece às normas da escultura?

- Não obedece a nenhum tipo de norma, oscila por inúmeras possibilidades. O artista conta o peso da argila que ele usou e o tempo que demorou, mas isso não explica nada. É um arbítrio total.

- Uma variação do informe.

- O informe por variação.

- E isso ao lado daquele desenho gigante, aquele campo vasto de grafite negro, super-saturado, com as cores flutuando.

- Que é um pouco um proctoplasma, uma gosma, um campo pictórico em que pontos de cor, traços e manchas vivem em suspensão.

- A forma como abismo, salto no vazio pontuado de esboços incompletos de símbolos, gráficos e feições.

- Outra “coisa”.

- Outra forma que poderia ser definitiva e qualificada, mas aparece como “coisa” por ter algo de informe.

- A gente ainda tem que entender o que é o informe.

- O informe eu não sei o que é, porque defino sempre pelo que não é.

- A gente não sabe, mas entende quando vê.

- Como o medo.

- E a esperança.

- Essas coisas.

...

- Acho que exageramos, né?

- Vamos dizer assim, o informe atrapalha a definição da nomenclatura e da classificação das coisas porque nós até reconhecemos sua presença, mas falhamos em traduzi-la em palavras. Ele é reconhecível, mas não cabe em fórmulas lógicas sintéticas. É a parcela do acontecimento que extrapola o roteiro...

- O roteirizável.

- Ultrapassa o roteirizável, se é que essa palavra existe.

- E na arte, apostar nesse lugar é colocar-se em relativa fragilidade, em um campo sem garantias.

 


 Paulo Miyada é Curador do Instituto Tomie Ohtake