DIÁLOGO 2
- Estão rachando.
- O quê?
- As coisas de argila, estão rachando.
- As esculturas?
- Bom, se você quiser chamar aquilo de escultura.
- Ué, o que mais seriam, senão esculturas? Estão em bases, são feitas de argila, ficam equilibradas, lembram formas que reconhecemos da História da Arte.
- Isso! Lembram, mas nunca estão “à altura”, por assim dizer. Você acha que está vendo uma forma muito sóbria, cujos contornos resultam do choque entre o peso da matéria e o gesto conformador do artista e – de repente – percebe que aquilo não se leva tão a sério. Sabe, você olha para o lado e tem outra peça, um disco achatado ovoide com cortes que, ao remover pedaços da argila, fazem o desenho de uma cara, um tipo de máscara bidimensional!
- Você quer dizer que parece escultura, se comporta como escultura, mas não obedece às normas da escultura?
- Não obedece a nenhum tipo de norma, oscila por inúmeras possibilidades. O artista conta o peso da argila que ele usou e o tempo que demorou, mas isso não explica nada. É um arbítrio total.
- Uma variação do informe.
- O informe por variação.
- E isso ao lado daquele desenho gigante, aquele campo vasto de grafite negro, super-saturado, com as cores flutuando.
- Que é um pouco um proctoplasma, uma gosma, um campo pictórico em que pontos de cor, traços e manchas vivem em suspensão.
- A forma como abismo, salto no vazio pontuado de esboços incompletos de símbolos, gráficos e feições.
- Outra “coisa”.
- Outra forma que poderia ser definitiva e qualificada, mas aparece como “coisa” por ter algo de informe.
- A gente ainda tem que entender o que é o informe.
- O informe eu não sei o que é, porque defino sempre pelo que não é.
- A gente não sabe, mas entende quando vê.
- Como o medo.
- E a esperança.
- Essas coisas.
...
- Acho que exageramos, né?
- Vamos dizer assim, o informe atrapalha a definição da nomenclatura e da classificação das coisas porque nós até reconhecemos sua presença, mas falhamos em traduzi-la em palavras. Ele é reconhecível, mas não cabe em fórmulas lógicas sintéticas. É a parcela do acontecimento que extrapola o roteiro...
- O roteirizável.
- Ultrapassa o roteirizável, se é que essa palavra existe.
- E na arte, apostar nesse lugar é colocar-se em relativa fragilidade, em um campo sem garantias.
Paulo Miyada é Curador do Instituto Tomie Ohtake