Arte Atual Festival - Coisas Sem Nomes
Paulo Miyada e Sofia Borges


DIÁLOGO 3 (versão 2)

- Olha, eu mesmo não concordo.

- Eu também não.

- Não concorda ou não entende?

- Definitivamente não entendo.

- Não... Como é que alguém fala que alguma coisa não existe e mostra logo a seguir?!

- Falar é uma tragédia. Ainda bem que as imagens são puras.

- Você está falando daquele texto adesivado na parede, bem grande?

- Não não. Eu tô falando de outra coisa. Na verdade, tô pensando (uma espécie de entender ao contrário). Mas infelizmente não poderei falar, seria terrível.

- É, “as imagens não existem”. E, embaixo do texto, duas super imagens!

- Mas o que é isso? Uma imagem. O quê?

- O que que tem?  Você acha mesmo que toda contradição auto-evidente entre termos implica em algum tipo de erro? 

- Não há nenhum espaço para a contradição. Super-imagens arrebatam os malignos seres cognitivos com o nada poder entender. Então estamos salvos.

- É que eu olho as imagens e leio os textos e me irrita que os textos são cheios de dúvidas e as imagens são afirmações dos potenciais da linguagem fotográfica... a pujança das impressões, a escala, a densidade do negro.

- É que todo texto começa muito dramático (ele tenta) mas as palavras se soltam, tiram a roupa, terrível rebelião, e depois. a tragédia.

- Do ponto de vista da técnica sim, com certeza as imagens exemplificam a suculência da fotografia digital atual. Mas acho que não é sobre isso. Você reparou que essas imagens começam nos abraçando, campos côncavos cavernosos, mas terminam por nos repelir, impenetráveis? Seus quadrados centrais, suas portas de acesso à profundidade, estão fechadas.

- A curva é o efeito de todas as coisas visíveis.

- Hm. Eu fiquei olhando as vitrines, noutro dia.

- E aí?

- Tem outras imagens assim, que abraçam mas não deixam o olhar penetrar.

- Algumas imagens foram feitas na réplica perfeita da Caverna de Chauvet.

- Os lugares são espessos, há isto de estranho.

- Eu ouvi falar, mas é difícil de reconhecer.

- É impossível, neste caso, o de ver uma coisa, neste caso só as imagens existem. 

- E, pensa bem, mesmo que você reconhecesse as imagens das pinturas rupestres mais antigas dentre as que conhecemos hoje. Mesmo que você estivesse lá dentro da caverna no sul da França. Você acha que essas gravações iriam se entregar para você? Acha que elas continuam vivas depois que aquelas pessoas sumiram sem deixar outros vestígios?

- Eu tenho certeza, mas eu não posso falar. 

- Elas estão mortas. As imagens.

- As imagens não existem, há isto de verdadeiro. o que existe são as coisas (eu quero dizer forçosamente, absolutamente existem) e as superfícies e também as todas frutas

- Já as imagens flutuam nessa espécie de nuvem invisível e então elas (no caso as imagens, mas há outras coisas) entram nos nossos olhos, assim, como mini raios.

- Resumindo: quem morre somos nós. todas as coisas.

- E, ao mesmo tempo, nessas outras imagens que a artista faz, ali, elas estão vivas, mesmo que noutra encarnação. E lá dentro da caverna, elas nos assombram como coisas incontornáveis e inesquecíveis.

- Esqueci de dizer que esta nuvem logicamente não existe em termos absolutos, eu quero dizer que essa nuvem absolutamente não existe em termos lógicos. Só em termos inconcebíveis.

- Ainda bem.

- São imagens-enigmas. Sombras e fantasmas.

- Viu, tem a ver… fantasma, nuvem, raio.  

- E presenças sem explicações. Acho que você está começando a entender.

- Esse é o efeito de todas as coisas visíveis. 

- Mas eu posso não concordar?

- Sem dúvida.

- Há isto de estranho.

 

 

Paulo Miyada é Curador do Instituto Tomie Ohtake

Sofia Borges é artista plástica