A armadilha se fecha
Surpreendida por Andreas Slominski

 A revista de arte PARKETT planeja publicar um artigo sobre um jovem artista alemão chamado Andreas Slominski. O artigo deve fornecer informações sobre o desenvolvimento do trabalho do artista e detalhes sobre a relação de sua arte com a sociedade, com o pensamento e as tendências atuais, com a arte e seu contexto histórico. O artigo terá um cunho particular, dependendo da orientação ideológica, filosófica ou histórica da autora. O artigo vai buscar explicações em profundidade da obra deste artista, e será acompanhado por fotografias da obra.

 

Mas o que acontece quando o artista se recusa a ter reproduções fotográficas de seu trabalho a serem usadas como ilustrações para o texto e, ao invés disso, pede que a autora selecione seis objetos que são de especial importância para ela, para que os fotografe e liste o quanto eles pesam? A autora está surpresa com a idéia, mas, por ser curiosa, decide acolher o artista em sua oferta incomum. Ela escolhe um vestido que seu namorado lhe deu para seu aniversário, uma pequena mochila de couro que ela tem usado todos os dias, durante anos, um prato de porcelana dos anos trinta, que é muito próximo ao kitsch e foi feito para celebrar um aniversário da Sociedade de Arte de Praga "Mames", uma pulseira de prata que ela sempre usa para dar boa sorte, seu pequeno computador Macintosh no qual ela passa horas intermináveis e, finalmente, porque é verão, uma planta que ela rega com uma atenção especial. Ela seleciona itens comuns, pelos quais nutre uma relação simples e, em alguns casos - por que não admitir - um apego sentimental

 

Ela tira fotos de todos os seis objetos e diz ao artista o quanto eles pesam. O artista ordena os objetos por peso - o vestido, a pulseira, o computador, a placa, a planta, a mochila - e acrescenta mais dois pesos para a lista. Em seguida, ele desenha dois quadrados sobre um pedaço de papel, um maior com um menor dentro. Ele atribui os pesos para os oito cantos dos quadrados de modo que os pesos dos objetos sempre produzam o mesmo total ao longo das linhas verticais e horizontais dos quadrados, bem como as suas diagonais. Em seguida, ele pede para a autora converter os dois pesos que ele somou em objetos concretos. Ela pega um montinho de areia e um pacote de sua massa italiana favorita, fotografa os dois objetos e os pesa com cuidado. O artista insere a areia e o macarrão em sua lista, desenha os quadrados com os pesos dos objetos em uma nova folha de papel, inclui as fotografias tiradas pela autora e acrescenta uma fotografia que ele mesmo tirou. A foto mostra um peso de 500 gramas que é para ser colocado ao lado da mochila, que também pesa 500 gramas, a fim de demonstrar a forma como os objetos são intercambiáveis. Finalmente, ele pede para a autora publicar as fotografias tiradas pela escritora, as outras fotografias, o peso dos objetos e a folha de papel. Tudo juntamente com seu artigo.

 

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8888 g

 

Mais tarde, sentada em seu computador novamente, cercada por imagens coloridas de seus pertences, a escritora é subitamente tomada por uma onda de raiva. Ela sente que foi atraída para uma armadilha. Mas logo a raiva dá lugar a reflexão, e até mesmo curiosidade. O que exatamente o artista está fazendo? Fazendo arte? Ele nem sequer selecionou os objetos! A autora fez isso por ele. Bem, então, ele transformou a escritora em uma artista, enquanto ele mesmo simplesmente ordenou os objetos, um ato que é geralmente realizado pelo escritor-teórico. Quanto mais perguntas, maior o espanto, até que ela de repente percebe que foi precisamente este momento de surpresa inesperada que a havia motivado a envolver-se com as obras de Andreas Slominki, apesar do aborrecimento, apesar da sensação de estar sendo atraída para uma armadilha. E assim, ela decide escrever sobre o espanto.

 

Para os pensadores da antiguidade, o espanto, aquele momento de indagação que é sempre acompanhado pela frustração de não saber, era a origem da filosofia. Espanto, portanto, significava querer saber, querer saber mais. O homem medieval, por outro lado, manteve-se fixo em um estado quase infantil de espanto, ao qual respondeu com rituais religiosos. Este aspecto infantil levou o homem moderno e iluminado a adotar uma atitude crítica em relação ao espanto. Na Idade Moderna, quem ainda achava o mundo espantoso foi considerado ignorante. Com o tempo, a arte do espanto foi perdida. Existe alguém que ainda hoje possa olhar para o mundo com um sentimento de admiração, caracterizado pela curiosidade infantil e também uma certa frustração? A perda da faculdade de deslumbre tem tornado as pessoas mais pobres, pois o espanto nos leva a fazer perguntas que tocam a essência das aparências.

 

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Não só Andreas Slominski é ainda capaz de se sentir espantado, mas ele também pode transmitir o seu espanto e infectar outras pessoas com ele. A autora foi infectada em 1991, quando o artista supostamente escondeu uma mão humana decepada na parede do gabinete de Artes em Bremerhaven. Depois de tê-la selado com alvenaria, alisou, rebocou e pintou o local onde a mão foi chumbada. O que restou para os espectadores era um espaço de exposição vazio e branco. Mas o espaço não estava totalmente vazio, pois foi preenchido com a história da mão emparedada. Um ato incrível, porém improvável. Era uma sala de exposição que tinha sido transformada por um ato do artista e tinha se tornado um objeto de arte. Mas o artista realmente fez essa mudança ou foi só um boato? E se fosse um mero rumor, então, era o espaço realmente um espaço de arte? E o que fez o artista optar por esconder uma mão humana, especialmente em uma época na qual não se acredita mais em relíquias?

 

No Museu de Arte Moderna de Frankfurt, Slominski apoiou uma bicicleta contra uma parede, carregada de sacos plásticos, como se um morador da cidade a tivesse estacionado por lá, com todas as suas posses. Por que não? Décadas atrás, aprendemos a aceitar a invasão de readymades nos espaços dos museus. E o fato de que a arte pode se referir a questões sociais também recebeu o selo de aprovação. Mas, neste caso particular, a bicicleta encostada na parede do espaço de exposição não é uma verdadeira bicicleta, pertencente a uma pessoa real, mas sim uma réplica de uma bicicleta real, que pertence a uma pessoa real, a qual foi meticulosamente reproduzida a partir de uma fotografia. Mas por que o artista faria uma cópia dela? E por que reduzir a escala de modo que o que vemos no museu é uma bicicleta de criança?

 

Schale
999 g

 

China Plate
1250 g

 

Pulseira
 45 g

 

Laptop
Computer
2150 g
 

Planta
2100 g

 

Pasta
315 g

 

Em sua última exposição no Haus Lange, em Krefeld, na Alemanha, Andreas Slominski pediu a um golfista do bairro para bater uma bola por cima da Haus Lange, caindo dentro da caçamba de um caminhão estacionado atrás do edifício. O golfista realmente acertou o alvo, que estava inclinado contra uma janela do edifício de modo que a bola rolou para dentro de uma das salas da exposição. Durante a exposição, os visitantes puderam ver a bola que foi mantida exatamente onde havia repousado. Espanto com esse ato percorreu as salas da exposição durante a abertura - espanto com a habilidade do jogador. Mas isso é arte?

 

Um sentimento de admiração invade a autora cada vez que ela lembra da abertura em Krefeld. Se aquilo não é arte, então por que o artista se reserva o direito de testemunhá-lo em um museu de arte? Por outro lado, se bater a bola de golfe por cima do telhado do prédio foi ideia de um artista, então deve ser arte; mas, em seguida, uma vez que foi executado por um não-artista, não pode ser arte. A autora está ficando irritada novamente. Ela caiu em outra armadilha. E de repente ela entende porque Andreas Slominski constrói armadilhas genuínas e as mostra em espaços de exposição. Pois não é que ela acabou deixando-se atrair para uma armadilha como um animal inconsciente?

 

Ela foi pega, e isso faz com que ela fique com raiva. O que ela deveria escrever sobre a arte de Andreas Slominski se ele persiste na criação de armadilhas? Se ela evita as armadilhas que ele estabeleceu, ela perde o artista; se ela as sustenta, está inevitavelmente confrontada com a pergunta: O que torna algo arte? Ela desiste. Ela está cansada de todas essas armadilhas. Na verdade, Andreas Slominsksi uma vez fez uma exceção e não armou uma armadilha quando lhe foi perguntado o que ele estava procurando na arte. Ele deu uma resposta direta: "Vida". Então, depois de tudo, talvez ele não seja um caçador, mas apenas alguém que ainda é capaz de se espantar com a própria ideia de que existe algo chamado arte.

 

Texto originalmente publicado na revista Parkett n º 44 do Ano de 1995.

Tradução: Jorge Menna Barreto

 

 

 

 

 

Andreas Slominski

 Untitled 1991-2007

Mixed media

115 x 175 x 85 cm