DIÁLOGO 1
- Tem aquele filme do Godard, sabe?
- O novo, 3D? Ou o sem legenda?
- Não, esses são recentes. Aquele, bem mais antigo, dos anos sessenta... o Weekend.
- Sei, que tem uma cena inspirada pelo Júlio Cortázar.
- Livremente inspirada.
- É, livremente… o que que tem esse filme?
- Então, esta cena, justamente, é um engarrafamento monumental, como o do conto Autopista do Sul.
- Só que com sangue, carros batidos...
- Sim, mas o legal da cena é que a câmera desliza lateralmente, segue em um trilho sem fim, sem cortes. Os carros estão muito próximos, nenhum se move, como se o trânsito estivesse entupido. Um carro vermelho, um sedan amarelo, um conversível preto… um depois do outro, sem intervalos, virtualmente para sempre.
- Lembro sim.
- Então, a montagem desta exposição me lembra aquela cena.
- Um longo traveling lateral, carro após carro, obra após obra… por aí?
- Exato! Um espaço imenso que se transforma em um contínuo de fragmentos desiguais. A particularidade de cada peça aparece por contraste: mais cheio, mais vazio, mais denso, mais aerado.
- Sempre mais.
- Sim, algum excesso, mesmo que seja de vazio.
- o Weekend, do Godard, tem gente que acha um filme um pouco afetado, maneirista, despolitizado.
- Não! Maneirista tudo bem, mas é um filme político. Ele digere o tempo todo nosso impulso de consumo, a necessidade de acumular, ter, reter - nunca evacuar, por assim dizer.
- É, a cena inicial do filme já gira toda em torno disso...
- A fase anal a que se apegou o capitalismo avançado. Mas, o Festival, te parece apolítico?
- Pensando assim, não. É bom pensar que a arte possa ser um dos vetores que atravessam aquilo que ainda não tem categoria, que não sabemos nomear.
- Que não queremos nomear. Saber a gente sempre sabe: é arbitrário.
- Hm.
- Acho que é mais assim: a arte pode ser um canal para reencontrar os momentos em que não dependíamos dos nomes para estar junto com as coisas; em que as escolhíamos por outros motivos, não por justificativas discursivas.
- Um estágio pré-verbal, uma suspensão da idade e da classificação.
- Você já imaginou uma língua que não tivesse substantivos, só verbos?
- Ah! Tem um conto do Borges em que…
Paulo Miyada é Curador do Instituto Tomie Ohtake