Arte Atual Festival - Coisas Sem Nomes
Paulo Miyada

DIÁLOGO 1

- Tem aquele filme do Godard, sabe?

- O novo, 3D? Ou o sem legenda?

- Não, esses são recentes. Aquele, bem mais antigo, dos anos sessenta... o Weekend.

- Sei, que tem uma cena inspirada pelo Júlio Cortázar.

- Livremente inspirada.

- É, livremente… o que que tem esse filme?

- Então, esta cena, justamente, é um engarrafamento monumental, como o do conto Autopista do Sul.

- Só que com sangue, carros batidos...

- Sim, mas o legal da cena é que a câmera desliza lateralmente, segue em um trilho sem fim, sem cortes. Os carros estão muito próximos, nenhum se move, como se o trânsito estivesse entupido. Um carro vermelho, um sedan amarelo, um conversível preto… um depois do outro, sem intervalos, virtualmente para sempre.

- Lembro sim.

- Então, a montagem desta exposição me lembra aquela cena.

- Um longo traveling lateral, carro após carro, obra após obra… por aí?

- Exato! Um espaço imenso que se transforma em um contínuo de fragmentos desiguais. A particularidade de cada peça aparece por contraste: mais cheio, mais vazio, mais denso, mais aerado.

- Sempre mais.

- Sim, algum excesso, mesmo que seja de vazio.

- o Weekend, do Godard, tem gente que acha um filme um pouco afetado, maneirista, despolitizado.

- Não! Maneirista tudo bem, mas é um filme político. Ele digere o tempo todo nosso impulso de consumo, a necessidade de acumular, ter, reter - nunca evacuar, por assim dizer.

- É, a cena inicial do filme já gira toda em torno disso...

- A fase anal a que se apegou o capitalismo avançado. Mas, o Festival, te parece apolítico?

- Pensando assim, não. É bom pensar que a arte possa ser um dos vetores que atravessam aquilo que ainda não tem categoria, que não sabemos nomear.

- Que não queremos nomear. Saber a gente sempre sabe: é arbitrário.

- Hm.

- Acho que é mais assim: a arte pode ser um canal para reencontrar os momentos em que não dependíamos dos nomes para estar junto com as coisas; em que as escolhíamos por outros motivos, não por justificativas discursivas.

- Um estágio pré-verbal, uma suspensão da idade e da classificação.

- Você já imaginou uma língua que não tivesse substantivos, só verbos?

- Ah! Tem um conto do Borges em que…




Paulo Miyada é 
Curador do Instituto Tomie Ohtake