Conversa com Gabriel Botta

Quando você começou a produzir?
Na realidade quando criança. Desde muito cedo gostava de desenhar, e a minha mãe chegou a trabalhar uma época na Secretaria de Geografia do Governo, então guardava mapas antigos, que ela mesma produzia. Comecei a desenhar a partir desses mapas que estavam em casa, fazendo intervenções nesses suportes. Foi nesse momento que entendi que isso tinha relação comigo.

 

E como o seu trabalho foi se desenvolvendo?
Sou um estudante de arte ainda, com uma produção muito recente de nem oito anos. Não me formei, fiz FAAP até o último ano e então saí. Fui para o Atelier do Centro e estou lá há quatro anos. É uma formação em continuidade, não tem fim ou data de formatura.

Quais as principais questões que norteiam o seu trabalho?
Em primeiro lugar o desejo de produzir. A produção em si me movimenta. Mas desejo é uma palavra muito forte e muito difícil hoje em dia para produzir não só pintura, mas dar aulas, escrever… Uma produção como algo mais amplo é uma forma de dar sentido à minha vida, uma forma de estar vivo.

 

Poderia falar sobre o conjunto de trabalhos apresentado?
Essa produção começou a partir das relações que criava entre a ideia e o suporte. Produzia sempre em papel ou em tela, e com o tempo fui experimentando produzir com outros suportes e isso ficou guardado em algum lugar. E tenho muito tesão em marcenaria, em ferramentas, em mexer com metal, cortar, furar e também em pintar. A mexer com essa gosma - há uma coisa muito de risco, pois você tem um monte de tintas e tem que tirar algo dali que tenha relação com você. Não há como fazer um trabalho que seja exógeno a mim.
No meu caso, sentia que o embate corporal com a matéria era fundamental. E essa produção que está exposta no EDP tem muita relação com isso, com a descoberta da minha natureza mesma.

 

E como foi a relação com o júri de seleção?
Foi bem importante pra mim. Acho que interlocução é uma coisa fundamental, mas é muito raro hoje em dia. Tem a história de que o artista Sean Scully trocou de país somente para conversar com o filósofo Arthur Danto - mudou de país para ter um interlocutor. Então é algo muito sério, e defasado para artistas jovens. É raro ter um envolvimento com o processo, um comprometimento com o desenvolvimento da pesquisa. Parece que isso é sempre brecado, cindido. E sinto que essa conversa com os jurados amarrou coisas, conceitos e ideias. Deu oportunidade para que falassemos sobre nossos trabalhos, trazendo questões que ainda não havíamos pensado com profundidade.

 

Poderia falar um pouco sobre a corporalidade do seu trabalho?
Tem que ter bastante violência. Há alguns anos fiz uma cirurgia de hérnia de disco, então não posso carregar peso. E essas telas pesam 60, 100 quilos. De algum modo estou colocando um problema aqui, porque tenho que achar soluções e estratégias para solucionar e desenvolver esse trabalho. No lugar de facilitar a minha vida, eu a complico para encontrar outras manobras possíveis para resolver o trabalho. Na impossibilidade de produzir é que eu posso produzir alguma coisa.

 

Então o mote de escolha do suporte é mais processual do que um apego pelo material?
É um grande movimento. Sempre aprendi vários procedimentos e modos de produzir, como fazer certo tipo de pincelada ou saber encomendar um chassi. Isso sempre veio muito pronto até mim, dado. Então eu sinto que é um modo de construir o trabalho, um modo de operar dentro do trabalho, e a dificuldade é fundamental nesse sentido. Mas não como um entrave ou como uma justificativa para não produzir. Não tem a ver com isso. Mas justamente com achar brechas para armadilhas que me coloco. E nisso há um processo de amadurecimento meu e do trabalho simultaneamente, existe a troca. Há algo erótico nisso, não no sentido sexual ou vulgar, mas no sentido de contato com a superfície, com a ferramenta, com a pesquisa. Viajar para buscar o material, encontrar a tinta certa ou spray para impermeabilizar o trabalho, e por aí vai.