Ana Elisa Egreja
Com princípios realistas, as pinturas de Ana Elisa Egreja seduzem o olhar para ser ludibriado em um jogo ilusório familiar, como na apresentação de um mágico circense. Rara na arte de hoje, sua minuciosa técnica pictórica é comumente associada a momentos históricos da arte até o século XIX ou mesmo ao saber um pouco brega, um pouco nostálgico das aulas de pintura para diletantes, com um gosto comum, banal, quase vulgar no modo como saboreia cores, texturas e luzes.
Em sua produção recente de obras de pequeno formato (estudos de naturezas mortas contemporâneas), a artista se demonstra consciente do estranhamento que promove, oferecendo a si mesma e ao público oportunidades concentradas de prazer e dúvida. Sem poder resolver o encontro com essas obras por uma separação entre alta e baixa cultura, boa e má pintura, arte e espetáculo, o espectador se vê desarmado diante de bromélias exuberantes, toalhas estampadas, cerâmicas populares, caveiras anacrônicas, berinjelas inesperadas, flores delicadas – todas representadas como sugestões cromáticas deformadas pelas retículas dos vidros “fantasia”, como são nomeados pela indústria esses baratos materiais.
É possível aprender muito sobre o funcionamento da linguagem observando como ela falha – seja porque está ainda imatura ou porque tornou-se disfuncional. É o que faz a produção recente de Julia Kater, que além de artista atua como pedagoga. Desenhos livres sobre temas impostos apresenta fragmentos de uma coleção de nuvens, árvores, sóis e casas desenhados por crianças em idade de alfabetização. Aprender a ler e a escrever não implica apenas em incrementar os processos cognitivos e as habilidades motoras. A coleção editada pela artista evidencia, em um sagaz encadeamento visual, o caráter esquemático do “desenho alfabetizado” que se forma quando as crianças, compelidas a significar algo, repetem formas esquemáticas pré-fabricadas.
Em Breu, as imagens gravadas apresentam, em uma montagem não-linear, o processo semi-artesanal de asfaltamento de um retângulo desenhado arbitrariamente no meio de um gramado baldio. O som traz um texto circular que abunda em adjuntos adverbiais de modo (certo e errado, principalmente), sem definir nenhum objeto claro. Inspirado pelo discurso de uma paciente fixada na narrativa de uma história de retidão e desalinho de alguma coisa que não podia enunciar diretamente, o texto constrói o discurso em um ciclo sem fim, sobre o qual não se aplicam as ideias de progressão e evolução.
Cabelo
Sem pedestal, sem materiais nobres, sem resguardo em virtuosas intenções ou na solenidade intelectual, Cabelo experimenta a arte como dinâmica rasteira, junto ao prosaico e ao espontâneo. Com uma obra que pode tanto evocar formas rituais secularizadas e delirantes, quanto se filiar à poesia marginal de vivência poética do cotidiano, o artista por vezes se define como sismógrafo de seu tempo, um instrumento de captura de fragmentos de ideias, sons e sentenças a seu redor, organizando-os em pequenas notas.
Entre vídeos, stills, tecidos e serigrafias, o motor desta sala é o desenho, parcela mais delicada de sua obra, que articula a percepção do entorno com as divagações e associações livres do pensamento. Quando desenha com pincel e nanquim, converge caligrafia, anotação, rabisco e movimento; nascem daí figuras que têm algo de ideograma, caligrama, hieróglifo e marca rupestre. Ampliados e multiplicados pela serigrafia em cores vibrantes sobre tecidos igualmente coloridos, os desenhos fazem, da parede ou da caverna, partituras de ritmos de repetição e movimento. No vídeo, o processo é inverso: a câmera desliza sobre a superfície de objetos quaisquer que refletem vestígios de luzes eletrônicas; imagens e traços aparecem como se a câmera estivesse em transe e fosse veículo para a emergência do desenho.