GAUDÍ, UMA BIOGRAFIA
Antoni Gaudí nasceu no ano de 1852, em Reus, ao sul de Barcelona, cidade para a qual se mudou com 17 anos. Naquele momento, Barcelona já era o centro político e intelectual da Catalunha. Gaudí iniciou sua formação como arquiteto anos depois, trabalhando como desenhista em escritórios da cidade. Em 1878 concluiu seus estudos pela Escola de Arquitetura da Universidade de Barcelona.
Na virada para o século XX, a obra de Gaudí consagrou-se pela consolidação do aspecto único de seu repertório, no qual os elementos decorativos se entrelaçam com suas soluções formais e espaciais. Projetos como a Casa Batlló, a Casa Milà e o Parque Güell destacam-se pelas suas soluções com profunda investigação de novos elementos estruturais.
Ao longo de quase toda a sua carreira, o arquiteto esteve comprometido com a concepção da Igreja da Sagrada Família, um grandioso projeto iniciado em 1883 e que permanece inacabado.
Em 1926, aos 74 anos, sofreu o acidente que o impediu de continuar sua obra. Foi atropelado por um bonde e faleceu por conta dos ferimentos. O legado de Antoni Gaudí, apesar de sua importância na atualidade, foi pouco difundido após sua morte. Somente na década de 1960 o arquiteto veio a ser reverenciado tanto por profissionais quanto pelo público em geral, fazendo jus à potência e diversidade de sua imaginação.
Casa Milà, La Pedrera, Barcelona 1905-1910
© Fundació Catalunya La Pedrera
BARCELONA, 1900
As duas últimas décadas do século XIX e o início do século XX marcaram um período de profundas transformações na Catalunha. A cidade de Barcelona vivia os desdobramentos da Revolução Industrial e tornou-se centro de uma série de mudanças e da emergência de diferentes expoentes do modernismo, tanto nas artes quanto na arquitetura e no design.
Tratou-se de um momento de vertiginoso progresso que se refletia nos âmbitos político, econômico, social e cultural. Barcelona foi protagonista de uma intensa modernização que se desdobrou também na configuração física da cidade. Em 1859, um grande plano remodelou o traçado urbano e impulsionou a construção civil. Vários arquitetos foram chamados para propor soluções inovadoras aos edifícios que marcariam as novas avenidas.
Basílica de la Sagrada Família, Barcelona 1882-1926
© Basílica Sagrada Família / Pep Daudé
A modernização da indústria trouxe novas técnicas que modificaram formas de produção, circulação e construção, tendo como pano de fundo uma burguesia que oferecia subsídios a um contexto cultural efervescente, buscando dar uma nova cara à cidade em construção.
Gaudí foi um das arquitetos dessa geração que, em parceria com o mecenas Eusebi Güell, propôs uma série de edificações que caracterizaria a renovação e ousadia do período. Com projetos que contemplavam do edifício ao detalhamento de seus elementos – do mobiliário até as maçanetas –, Gaudí estabeleceu-se como um artista plural e fértil.
MODERNISMO CATALÃO NAS ARTES VISUAIS
Joaquim Sunyer
Rua de Paris, 1902
óleo sobre tela (45x34 cm)
© Museu Nacional d’Art de Catalunya
Em meados de 1888, ano da Exposição Universal de Barcelona, os valores artísticos atrelados ao movimento político da Renaixença afloraram com maior intensidade em Barcelona. Tal movimento reivindicava a autonomia da Catalunha em relação à Espanha e inspirou muitos artistas a enfatizarem os aspectos culturais particulares da região e suas tradições.
Nas artes visuais, os artistas catalães buscavam esse caráter particular baseando-se no que havia de novo nos movimentos artísticos europeus, principalmente nas tendências vindas de grandes capitais como Paris, Londres e Viena.
Na pintura, artistas como Santiago Rusiñol (1861-1931) combinavam influências do impressionismo e a preferência pelos temas cotidianos, comuns na cena artística francesa. É possível notar em sua pintura o impacto das imagens fotográficas e, assim como em outros artistas, uma aproximação maior com o simbolismo, que esteve ainda mais presente entre poetas e escultores como Josep Clarà (1878-1958), influenciado pela obra de Rodin.
Entre o final do século XIX e o início do XX, o modernismo catalão, ainda que comprometido com os valores tradicionais locais, começou a dar lugar ao chamado Noucentismo, termo cunhado pelo escritor e jornalista Eugeni D’Ors (1881-1954). O novo movimento defendia uma retomada das linguagens e procedimentos clássicos e procurava diminuir as particularidades locais em favor de uma integração maior com os contextos europeus e mediterrâneos.
MODERNISMO CATALÃO NA ARQUITETURA E NO DESIGN
Gaspar Homar
Poltrona, 1906
madeira de carvalho com marchetaria e tapeçaria de veludo, 86 x 57 x 64 cm
© Museu Nacional d’Art de Catalunya
O grande plano de expansão de Barcelona, chamado de Grande Ensanche, foi projetado pelo urbanista Ildefons Cerdà em 1859 e impulsionou o trabalho de arquitetos e artesãos ligados ao modernismo catalão. Também estimulou o desenvolvimento industrial, o que propiciou novos avanços técnicos, bem como gerou riquezas suficientes para que a burguesia pudesse investir em obras desses profissionais.
De aspectos bastante particulares, ligados à tradição local, o modernismo catalão se assemelha ao que conhecemos como Art Nouveau. Nesse contexto, os arquitetos recorreram aos serviços e habilidades dos artesãos para realizarem os trabalhos decorativos dos edifícios que projetavam e, orientados pelos princípios das Artes e Ofícios, eram pensados como uma obra completa em seus mínimos detalhes.
Por esses motivos, muitos profissionais converteram-se em ensembleurs, o que hoje denominamos “designers de interiores”. Um dos mais requisitados foi Gaspar Homar, que manteve uma relação profissional frutífera com dois dos maiores arquitetos modernistas, Lluís Domènech i Montaner (1850-1923) e Josep Puig i Cadafalch (1867-1956).
Frederic Vidal
Mesa ovalada c.1900
madeira entalhada, dourada, vitral “cloisonné” e elementos metálicos, 135 x 61 x 74 cm
© Museu Nacional d’Art de Catalunya
GAUDÍ E A NATUREZA
Gaudí nasceu em uma pequena cidade interiorana e passou a infância muito próximo à natureza, antes de se mudar para Barcelona. É possível notar em sua obra a intensa relação que estabelece entre as formas da natureza e as da arquitetura.
Seus edifícios são concebidos como um todo orgânico que nos conduz pelos espaços de modo espontâneo e estimulante, do mesmo modo que os espaços naturais nos instigam com seus acidentes e detalhes.
Gaudí esculpiu a fachada da casa Milà, por exemplo, com formas que remetem às formas irregulares da natureza. Os detalhes e os ornamentos referem-se em geral a formas efêmeras e a organismos vivos, que proporcionam um aspecto orgânico aos espaços. A variedade de soluções de que lança mão contempla as diversas dimensões dos projetos e resulta em ambientes completos e intensamente análogos aos espaços presentes na natureza.
SAGRADA FAMÍLIA
Basílica de la Sagrada Família, Barcelona 1882-1926
© Basílica Sagrada Família / Pep Daudé
Gaudí trabalhou durante quatro décadas no Templo Expiatório da Sagrada Família. Os 12 últimos anos de sua vida foram dedicados exclusivamente à construção da catedral, expoente máximo da maturidade de sua obra.
A Sagrada Família é uma expressão da fé cristã e representa integralmente os significados religiosos por meio de sua arquitetura, da policromia dos seus vitrais e de suas esculturas. As 18 torres, dispostas em formato piramidal, simbolizam uma hierarquia de personagens da cristandade. A maior e mais alta, no centro, refere-se a Jesus Cristo. Ao seu redor, quatro torres representam os evangelistas e uma mais afastada, acima da abside, corresponde à Virgem Maria. Distribuídas sobre três fachadas que demonstram o nascimento, a paixão dolorosa e a ressurreição de Cristo, as outras 12 torres aludem aos apóstolos.
Em seu interior, prevalece o sentimento da elevação em direção a Deus, semelhante ao que ocorre nas catedrais góticas. Gaudí desenvolveu ao longo de anos uma estrutura arborescente, com colunas que se estreitam e se ramificam para apoiar de modo delicado as coberturas abobadadas e as torres.
Por entre os elementos estruturais, inclinados e delgados, a luz atravessa os orifícios da cobertura pelo alto, intensificando a sensação de leveza e o sentimento sagrado de elevação. A forma das coberturas otimiza a estrutura e permite a entrada de luz generosa pelo alto.
CASA MILÁ
A Casa Milà (1906-1912) está localizada em uma das quadras do plano urbanístico de Barcelona de 1859 e é um caso exemplar, tanto das construções típicas da nova cidade modernizada quanto da ideia de obra total de Gaudí.
O projeto reúne um impressionante conjunto de soluções da fase mais madura do arquiteto e adquire o aspecto peculiar que o consagrou. Ele se afasta do estilo mais comum dos demais arquitetos e artesãos e dá forma ao seu estilo próprio e criativo, que se aproxima das formas da natureza.
Nessa fase, Gaudí combina os aspectos gerais do edifício com os elementos decorativos e os ornamentos. Passa a ser cada vez mais difícil notar essa divisão entre prédio e ornamentação. Todos os espaços são fartamente elaborados nesse sentido, inclusive a cobertura, concebida como um vasto terraço permeado pelas chaminés com formas variadas e inusitadas. A fachada demonstra os motivos de seu apelido, La Pedrera, pois se assemelha a um grande rochedo esculpido, no qual tomam forma as aberturas e varandas do edifício. Nos seus interiores, os cômodos se integram ao mobiliário, produzindo um espaço inteiramente planejado pelo arquiteto, onde tudo parece ter tomado forma espontaneamente, como um espaço natural.
Casa Milà, La Pedrera, Barcelona 1905-1910
© Fundació Catalunya La Pedrera
OS TRECANDÍS
Parc Güell, Barcelona 1901-1914
© Pere Vives. Triangle postals
Os delicados mosaicos coloridos das obras de Gaudí são chamados de trencadís. O nome dessa técnica vem da palavra catalã trencat, que significa “quebrado”. Ela consiste em compor desenhos e formas coloridas nas superfícies dos elementos arquitetônicos com fragmentos irregulares de cerâmica, porcelana, vidro e outros materiais.
A técnica é geralmente utilizada como decoração, sobretudo nos exteriores, pois oferece também uma boa proteção contra a umidade. A solução é especialmente interessante, pois, além de proporcionar composições impactantes, aproveita materiais que, por estarem quebrados, seriam descartados.
Os trencadís aparecem nas obras mais maduras de Gaudí, principalmente nas fachadas das casas, como na Batlló, e nos elementos arquitetônicos exteriores do Parque Güell. Costuma-se dizer que o arquiteto sugeria aos operários que recolhessem os pedaços de cerâmica e vidro que encontrassem a caminho da obra. A prática ficou conhecida, e os barceloneses adotaram o costume de levar louças e cerâmicas partidas/despedaçadas ao parque, para que pudessem ser utilizadas na construção.
ARCO CATENÁRIO
Quando olhamos para as obras de Gaudí, podemos notar a graça e a beleza de suas formas e curvas. No entanto, esses elementos não foram idealizados apenas com a finalidade de causar uma boa impressão. A forma de cada elemento contribui precisamente para a sustentação do edifício do modo mais simples possível, obtida graças à descoberta dos arcos catenários.
O formato das torres da Sagrada Família, bem como os arcos que sustentam a cobertura da Casa Batlló e da Cripta Güell, correspondem a curvas matemáticas que se assemelham ao formato de uma corda suspensa pelas extremidades. Esse método era utilizado por Gaudí para prever o formato mais eficaz e, ao mesmo tempo, mais interessante para suas construções e estruturas.
A curva formada por essas cordas, quando invertidas e transformadas em elementos rígidos, tem a propriedade de distribuir igualmente toda a força da gravidade ao longo do comprimento da corda, ou seja, essas estruturas suportam o peso do edifício de maneira eficaz.
Colegio de las Teresianas, Barcelona 1889
© Pere Vives. Triangle postals