Passagens sobre a exposição Frida Kahlo – conexões entre mulheres surrealistas no México

Do ponto de vista da pesquisa a ser feita no Brasil, a exposição Frida Kahlo – conexões entre mulheres surrealistas no México apresentava um grande desafio: a curadora mexicana Teresa Arcq propôs a reunião de mais de 100 obras de 15 diferentes artistas, muitas das quais completamente desconhecidas pelos pesquisadores e público brasileiros, organizadas numa grande mostra que tinha como mote as relações que Kahlo estabeleceu entre elas.

O primeiro passo da equipe de pesquisa do Instituto Tomie Ohtake para entender essa grande rede foi mapear os pontos de encontro dos personagens principais dessa narrativa. Uma linha do tempo que começa ainda em 1880 e poderia estender até os anos 1970 deu a primeira dimensão da complexidade das relações, conexões, acontecimentos históricos e fatos biográficos que serviram como base para a exposição. As biografias dos artistas misturam-se aos fluxos de circulação de suas obras, tornando-se essenciais a um entendimento mais aprofundado dessas conexões.

Frida, evidentemente, foi o critério inaugural para reunir os outros nomes que a acompanhariam. Primeiramente, todas as artistas escolhidas tiveram algum tipo de relacionamento com ela, do mais íntimo ao mais estritamente profissional, e de certa forma se conectam mutuamente ao redor e em torno dela, não tanto como um grupo que se reúne em volta de um líder, mas como uma rede horizontal sem hierarquias fixadas. No desenho da linha do tempo, a ordem da pesquisa se reflete na concentração de ligações ao nome de Kahlo, centro de gravidade da mostra.

 

Depois, a associação ou vinculação ao surrealismo – na sua vertente mais europeia ou mais mexicana – foi premissa sine qua non para figurar na exposição, o que excluiu, por exemplo, Tina Modotti, cuja produção fotográfica consistia em retratos, paisagens e objetos, especialmente interessada pela cultura mexicana mas afastada dessa vertente das vanguardas europeias. Os pontos de intersecção com o movimento muitas vezes foram definidos pela história da arte tradicional a partir do meio do contato (ou relacionamento) com homens que, de alguma forma, integravam o círculo de André Breton ou identificavam-se com o movimento.

 

O meio artístico e social da época era marcado por convenções que dificultavam e muito a consolidação de mulheres como artistas profissionais reconhecidas. Pintoras e fotógrafas como as apresentadas na exposição, até pouco tempo atrás, figuravam quando muito nas notas de rodapé, ou apenas no restrito papel de esposas/amantes ou de amadoras/diletantes. Por um lado, muitas delas, e não apenas as europeias, aproximaram-se do ou foram reconhecidas no surrealismo por meio de representantes masculinos: Maria Izquierdo foi “descoberta” por Antonin Artaud, poeta surrealista francês; Alice Rahon foi casada com Wolfgang Paalen, artista austríaco que juntou-se ao movimento em meados da década de 1930; Bridget Tichenor e Rosa Rolanda conheciam o fotógrafo surrealista Man Ray, que ensinou a técnica do fotograma a esta última; Jacqueline Lamba foi casada com Breton e o acompanhou em sua primeira ida ao México; Bona Tibertelli foi introduzida ao surrealismo por André Pieyre de Mandiargues; Kati Horna foi apresentada ao movimento pelo poeta dadaísta e surrealista Lajos Kassák; e Leonora Carrington era amante do grande artista Max Ernst, que apresentou-a ao círculo de Breton em Paris. Não obstante, a história da arte recente tem procurado corrigir a identificação dessas artistas em posições coadjuvantes ou conjugais, reconhecendo a qualidade de suas obras e sua originalidade em relação aos preceitos originários do manifesto surrealista, ao gosto europeu e à temática onírica. Nesse sentido, é possível investigar o quanto a articulação em rede, em um mesmo lugar e tempo, pode ter colaborado para a produção dessas artistas, apesar das dificuldades inerentes ao conservadorismo da época.

 

Além de importante para a manutenção dessa rede, a produção de Frida Kahlo é exemplar no que tange aos processo de reconhecimento e revalidação histórica. Suas obras, também, funcionaram como norte para a expografia da mostra. Posicionadas nas salas expositivas como espinha dorsal da curadoria, suas pinturas e desenhos figuravam principalmente em painéis destacados das paredes e pintados de verde, que serviam como guia visual para identificação da artista ao longo do percurso; os painéis eram ladeadas pelos trabalhos das outras artistas, que pareciam orbitar em torno dessa figura central. Sem ordem cronológica ou biográfica, a montagem seguia núcleos temáticos elaborados pela curadora, construídos a partir das similaridades ou confluências dos temas abordados, dos símbolos empregados, dos relacionamentos amorosos ou das ligações afetivas encontradas nessa intrincada trama.

 

Assim, o espaço expositivo ofereceu à pesquisa a possibilidade de rediscutir, junto ao público da exposição, as intersecções entre as artistas tanto no âmbito histórico de suas trajetórias quanto nas aproximações poéticas de suas obras.

 

Julia Lima