Tribunal de Contas da União em Brasília
19 de fevereiro a 4 de maio 2019
O espaço de exposição do Tribunal de Contas da União em Brasília recebe um panorama da obra de Tomie Ohtake, recorte de quase meio século de sua prática em gravura, organizado em parceria entre o Instituto Itaú Cultural e o Instituto Tomie Ohtake. O conjunto com cerca de 70 obras evidencia como a gravura sempre foi um campo inesgotável de experiências para a artista. Experimentalismo incomum para a técnica milenar, a obra em gravura de Tomie surpreende não só pela inovação, como também por uma fecunda produção que resultou em centenas de séries. “A coreografia cuidadosa de texturas e ritmos pictóricos, passando por processos de multiplicação e recombinação de formas esboçadas em recortes e colagens, ganhou especial ressonância na obra gráfica de Tomie Ohtake”, afirmam Paulo Miyada e Carolina De Angelis, curadores da mostra.
A artista dominou a técnica da gravura quando já era uma consagrada pintora, no final dos anos 60, utilizando-se da serigrafia e da litografia. Porém foi na gravura em metal, a partir de 1987, que encontrou a mesma liberdade do pincel e com a qual seguiu trabalhando. Tomie extraiu todo o proveito sugerido por esta forma de arte: fez uma série em que unia três gravuras de mesma imagem com cores diferentes, resultando em trabalhos com quase três metros de altura; recortou imagens e, ao colocá-las a alguns centímetros da parede, criou novas formas com a sombra produzida pela luz direta; inventou uma obra para duas paredes, trabalhos com dobra em ângulo reto, propondo novas perspectivas. Entre as várias composições reunidas na exposição, que apontam a potência de uma linguagem singular reinventada ao longo de cinco décadas (1969 – 2008), destaca-se ainda o álbum Yu-Gen (1997), composto por doze poemas de Haroldo de Campos, inspirados no Japão, traduzidos no campo plástico por Tomie. Uma obra realizada a quatro mãos, na qual os textos manuscritos pelo próprio poeta também viram imagens e contracenam em equilíbrio com os desenhos e cores criados pela artista.
As gravuras de Tomie ganharam reconhecimento internacional a partir de 1972, quando foi convidada a participar da sala Grafica D’Oggi na Bienal de Veneza - exposição que contou com a presença dos mais importantes artistas do mundo, como os norte-americanos da Pop Art -, além de sua participação na Bienal de Gravura de Tóquio, em 1974, tradicional mostra internacional desta técnica.
Com a sua obra - pintura, gravura e escultura - fundada no abstracionismo informal, Tomie criou um universo de imagens em suspensão e, conforme Merleau-Ponty aponta em O visível e o invisível, nem tudo pode ser desvelado pela consciência perceptiva, pois há sempre o invisível, o oculto. E é justamente neste “intermundo” que flutuam os traços, as cores e as formas inventadas por Tomie.
TOMIE OHTAKE
A carreira de Tomie Ohtake (Kyoto, Japão 1913 – São Paulo, Brasil, 2015) atinge plena efervescência a partir dos seus 50 anos, quando realiza mostras individuais e conquista prêmios na maioria dos salões brasileiros. Participou de 20 Bienais Internacionais (seis de São Paulo, uma das quais recebeu o Prêmio Itamaraty, Bienal de Veneza, Tóquio, Havana, Cuenca, entre outras), contabiliza em seu currículo mais de 120 exposições individuais (em São Paulo e mais vinte capitais brasileiras, além de cidades como Nova York, Washington DC, Miami, Tóquio, Roma, Milão, etc.), e quase quatro centenas de coletivas, entre o Brasil e o exterior, além de 28 prêmios.
A obra de Tomie destaca-se tanto na pintura e na gravura, quanto na escultura. Marcam ainda a sua produção as mais de 30 obras públicas desenhadas na paisagem de várias cidades brasileiras como São Paulo (Av. 23 de Maio, 1988; Anhangabaú, 1984; Cidade Universitária, 1994, 1997 e 1999; Auditório Ibirapuera, 2004; Auditório do Memorial da América Latina, 1988; Teatro Pedro II em Ribeirão Preto, 1996; Av. Paulista, 2017, entre outros locais), e Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Araxá, Ipatinga, entre outras, feito raro para um artista no Brasil. Entre 2009 e 2010, suas esculturas alcançaram também os jardins do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e a província de Okinawa, no Japão e em 2012, foi convidada pelo Mori Museum, em Tóquio, a produzir uma obra pública.
Tomie levou a sua arte para outras frentes. Criou dois cenários para a ópera Madame Butterfly, o primeiro em 1983, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e o segundo em 2008, no Teatro Municipal de São Paulo. Foi convidada a criar obras para prêmios e comemorações, como por ocasião do centenário da imigração japonesa, em 2008, quando concebeu a monumental escultura em Santos e a do Aeroporto Internacional de Guarulhos em São Paulo. Peças de pequenas dimensões, como o troféu da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a homenagem-prêmio para a Fórmula 1, utilizando a pedra do pré-sal (2011), cartazes, ilustrações de livros e periódicos, medalhas e objetos para laureados de muitos eventos fazem também parte de sua diversificada produção. Sobre o seu trabalho foram publicados livros, inúmeros catálogos e filmes/vídeos, entre os quais o realizado pelo cineasta Walter Salles Jr.
Em 2012, além da obra pública para Tóquio, criou uma série de pinturas azuis, nas quais, mais uma vez, ficava evidente o seu interesse em se renovar, ao inventar uma nova pincelada – a pincelada como forma, sem que a tela perca o movimento e a profundidade característicos de sua produção. Em 2013 Tomie Ohtake chegou aos 100 anos, comemorados com 17 exposições pelo Brasil, com destaque para as do Instituto que leva o seu nome, Gesto e Razão Geométrica, com curadoria de Paulo Herkenhoff no mês em que completou cem anos (novembro) e Tomie Ohtake Correspondências e Influxo das Formas, ambas com curadoria de Agnaldo Farias e Paulo Miyada, em fevereiro e agosto respectivamente. Em dezembro de 2014, a cineasta Tizuka Yamasaki lançou o documentário Tomie, que retrata com afetividade e delicadeza o universo da artista, mesclando momentos íntimos de Tomie com depoimentos dos críticos Paulo Herkenhoff, Agnaldo Farias e Miguel Chaia.