“É Proibido não Participar”: Le Parc e o Groupe de Recherche d’Art Visuel (1960-68) | Parte I

Por Valerie Hillings

Em julho de 1960, 11 jovens artistas da Argentina, França, Hungria e Espanha anunciaram a formação do Centre de Recherche d’Art Visuel (CRAV) em uma garagem perto da Bastilha, no bairro Marais, em Paris. Com o “Acte de Fondation” (Ato de Fundação), Hugo Demarco, Francisco García Miranda, Horacio García Rossi, Julio Le Parc, François Molnar, Vera Molnar, François Morellet, Sergio Moyano Servanes, Francisco Sobrino, Joël Stein e Jean-Pierre Yvaral apresentaram sua intenção de “unir nossas atividades, esforços, capacidades plásticas e descobertas individuais em uma atividade que tende a ser a de uma equipe”.1

Eles se inspiraram parcialmente no artista Victor Vasarely, que havia declarado em 1960: “O artista ‘estrela’ ou ‘gênio solitário’ é uma ideia datada; grupos de trabalhadores experimentais colaborando com a ajuda de disciplinas científicas e técnicas serão os únicos criadores verdadeiros do futuro”.2  Eles acreditavam que esse método lhes permitiria combater a “imagem tradicional do inspirado pintor de obras-primas imortais”, simbolizada, segundo a visão do grupo, pelos proponentes do Tachismo e da Arte Informal – considerados pelos jovens artistas o equivalente pós-guerra da École de Paris.3

Pouco tempo depois da fundação do CRAV, o número de participantes diminuiu para seis – García Rossi, Le Parc, Morellet, Sobrino, Stein e Yvaral – e, em 1961, o grupo se renomeou Groupe de Recherche d’Art Visuel (GRAV).4  A fundação do GRAV coincidiu com a guinada generalizada em direção à prática artística coletiva entre artistas que atuavam na Europa Central e Ocidental no final da década de 1950 e nos anos 1960. Isso se deu parcialmente como uma reação à ênfase na subjetividade e no culto da personalidade associados a várias linhas da abstração gestual que se proliferou na Europa e nos Estados Unidos nos anos 1940 e 1950. Isso também refletia uma mudança geracional, já que muitos artistas nascidos entre o final dos anos 1920 e meados da década de 1930 buscavam redefinir a arte usando novos formatos e materiais, desafiando a duradoura noção do espectador como receptor passivo e lutando para transformar seus trabalhos em catalisadores de mudanças sociais.

Esse espírito colaborativo resultou na proliferação de inúmeros grupos de artistas e redes multinacionais em cidades como Antuérpia, Córdoba, Düsseldorf, Milão, Pádua, Paris e Zagreb. Nessa história, o grupo GRAV, e Julio Le Parc em especial, desempenharam papel proeminente. Além do trabalho e dos escritos do grupo, a liderança de Le Parc e do GRAV na definição e promoção de uma rede de artistas com ideias semelhantes – primeiro sob o emblema Nouvelle Tendance (Nova Tendência), e depois como o breve movimento NOUVELLE TENDANCE – recherche continuelle (NTrc) – foi um capítulo importante na história da arte dos anos 1960. Este ensaio examina os 8 anos de vida do GRAV (1960-1968) e as contribuições e o papel de Le Parc nessa história, e também aborda a interseção do GRAV com um fenômeno coletivo maior daquele período.


Começos

Logo após a chegada de Le Parc a Paris, vindo da Argentina, ele visitou a primeira Bienal de Paris (1959), organizada por meio da iniciativa do recém-indicado Ministro da Cultura, André Malraux. Essa exposição reuniu artistas com menos de 35 anos, de 42 países de todo o mundo. Um painel internacional selecionou os participantes, que mostraram seus trabalhos no Musée d’Art moderne de la Ville de Paris. Durante seu discurso de encerramento da Bienal, Malraux abordou a notável supremacia da Arte Informal. Le Parc e seus colegas também reconheceram o predomínio da abstração lírica, gestual, o que viam como um novo academicismo e não como arte genuinamente experimental.

No ano seguinte à Bienal, os membros do CRAV alugaram uma pequena garagem no bairro Marais, em Paris, espaço que se tornou um lugar de encontros e exposições coletivas para dar início ao objetivo dos artistas de trabalhar de forma colaborativa (fig. TK). Em julho de 1960, eles escreveram o já mencionado “Ato de Fundação”, no qual propunham um “programa de atividades que aspira a ser o programa de uma equipe”, com o propósito de combater “a atitude tradicional do pintor singular e inspirado, criando trabalhos imortais”. Ao tratar os objetos que criavam como pesquisa a ser examinada, registrada e classificada, os artistas acreditavam que poderiam estabelecer uma situação que os isolasse de “todas as pressões estéticas, sociais e econômicas”. Além de declararem seus interesses operacionais e formais, também abordaram a intenção de teorizar sua produção.

O CRAV abriu sua primeira mostra no ateliê do Marais em 10 de dezembro de 1960; de acordo com Le Parc, a exposição ficou em cartaz em torno de uma semana. Ainda que a visitação tenha sido pequena, a galerista Denise René, Vasarely, o artista Nicolas Schöffer e o crítico de arte Guy Habasque estiveram no espaço. Nessa altura, o número de membros havia diminuído para sete, com a renúncia de Demarco, dos Molnars e de Servanes. Com a exceção de García Miranda, que deixou o grupo em novembro de 1961, essa exposição continha os seis membros finais do GRAV.

O grupo, mantendo sua promessa de produzir teoria tanto quanto obras plásticas, afixou um texto escrito coletivamente na parede do ateliê, intitulado “Essai d’appréciation des nos recherches” (Ensaio de avaliação de nossas pesquisas). Iniciavam o texto dizendo “pensamos que é necessário esclarecer que nossas atitudes excluem todas as reivindicações ao absoluto e ao definitivo”. Rejeitaram a palavra “arte” e tudo que ela significava, mas reconheciam que não conseguiriam alcançar o objetivo de transformar a arte em uma parte essencial à atividade humana se não se engajassem no sistema existente.

Os membros do CRAV continuaram a produzir desenhos, pinturas e esculturas mas, inspirados pelo Manifesto Branco (1946) de Lucio Fontana, e pelo Manifesto Amarelo (1955) de Vasarely – que defendia a mudança da concepção do trabalho artístico como objeto único ao sujeitá-lo à “recriação, multiplicação e expansão” –, eles queriam substituir os formatos tradicionais e oferecer alternativas à obra de arte singular.10  Eles focavam em pesquisas sobre os fenômenos visuais e enfatizavam a homogeneidade e o anonimato, em oposição à emotividade, em um esforço para alcançar o objetivo de desmistificar a arte.

Essa descrição parece insinuar um interesse dominante em questões formais, mas os artistas o negavam, expressando indiferença aos “problemas formais como simples retórica da superfície, do volume e do espaço do movimento e do tempo”. Eles citavam a exploração da relação entre os objetos que criavam e o espectador como prova do desapego à forma. “Nossa pesquisa está centrada no plano imaterial que existe entre o objeto plástico e o olho humano”. O grupo queria desafiar a ideia de que uma obra de arte teria um “conteúdo predefinido” por usar materiais como Plexiglas e equipamentos eletrônicos e por basear-se em leis da percepção, da probabilidade e do acaso.11

Concluíram o texto declarando a intenção de envolver o público em seus processos, convidando pessoas de fora do CRAV para comentar e discutir os trabalhos. Mais importante, afirmaram o compromisso de produzir textos teóricos que pretendiam publicar e circular entre um público maior. Essa é uma prática que começariam logo em seguida, graças ao convite estendido a Le Parc e a Yvaral para participar da exposição-marco Bewogen Beweging, realizada no Stedelijk Museum de Amsterdã, no Moderna Museet de Estocolmo e no Louisiana Museum em Humlebaek, na Dinamarca.


Avanço: GRAV e Bewogen Beweging

Em 1961, os membros do CRAV haviam mudado o nome do grupo para Groupe de Recherche d’Art Visuel. Mesmo que o convite para participar Bewogen Beweging não se estendesse a todos os membros do grupo, Le Parc submeteu textos e imagens de trabalhos do GRAV para o catálogo. No entanto, o curador Karl Gunnar Pontus Hultén disse que os materiais haviam chegado tarde demais para serem incluídos, e que o orçamento limitado impedia a expansão do catálogo.12

Com ajuda financeira da Galerie Denise René, o GRAV publicou o panfleto “Propositions sur le mouvement” (“Proposta sobre Movimento” p.TK) em 1961, a primeira grande declaração pública do grupo sob o novo nome.13  O texto oferecia uma história concisa que detalhava a educação tradicional dos artistas e seu desejo de trabalhar em equipe, como forma de combater o modelo do artista singular, e para “esclarecer, por meio de obras coletivas, quais eram os diferentes aspectos das artes visuais”.14  Partes desse texto saíram diretamente do ensaio pendurado na parede do ateliê do grupo em 1960, enquanto outros trechos abordavam o tópico em questão – movimento. O texto iluminava a prática de preencher o plano pictórico com formas homogêneas e anônimas para criar estruturas instáveis, e o uso de dois formatos: superfícies fixas ou relevos, que geravam um efeito virtual de movimento, e objetos que de fato se moviam. A instabilidade resultante das imagens teoricamente prometia a possibilidade de alcançar um número infinitamente maior de “situações visuais”. Ademais, trabalhos como os primeiros móbiles de Le Parc, feitos com fios de nylon com quadrados de plástico pendurados em intervalos fixos, criavam uma variedade de padrões no espaço e, como resultado, o espectador poderia testemunhar uma composição imaterial, quase constantemente em mutação, desdobrando-se no tempo.

Com esse ensaio, o GRAV apresentou o mundo da arte aos princípios fundamentais que definiriam o programa do grupo durante os 7 anos seguintes. Eles queriam criar composições instáveis que incorporassem movimentos reais e virtuais, que forçariam o espectador a engajar-se mais ativamente com as propostas visuais apresentadas pelo coletivo.

Segunda Bienal de Paris e o texto do grupo GRAV chamado “Assez de Mystifications”

Apesar do crescente interesse do grupo em atuar para além da pintura, eles revisitaram esse tema em setembro de 1961, por ocasião da Segunda Bienal de Paris. Na busca por artistas para representar a França, Paul Giraud, representante da cidade de Paris no conselho da Bienal, renunciou ao cargo porque certas escolas e tendências haviam sido categoricamente excluídas das análises.15  O GRAV compartilhava da opinião de Giraud de que a lista de participantes selecionados não refletia precisamente a pluralidade das experimentações que estavam sendo realizadas por jovens artistas, e o coletivo expressou sua posição em um panfleto distribuído durante a Bienal.16  Nesse manifesto, “Assez de mystifications” (Basta de mistificações), o GRAV criticava a geração jovem e sua dependência de modelos estabelecidos por pintores consagrados e a consequente “platitude e uniformidade dos trabalhos expostos” na Bienal, obras que o grupo acusava de estarem “presas a uma fórmula similar à de outras exposições fracas (Salon d’Automne [Salão do Outuno], Salon de Mai [Salão de Maio], Comparaisons [Comparações], Réalités Nouvelles [Novas Realidades])”.17

O grupo clamava pelo fim da produção de arte feita para “os olhos cultos, os olhos perceptivos, os olhos intelectuais, os olhos estéticos, os olhos diletantes”, e reiterava a reivindicação de que o olho humano representava o “ponto de partida” adequado.18  Ao discutir os passos que os artistas haviam tomado e planejado tomar para mudar a situação corrente da arte, eles reproduziram, quase palavra por palavra, porções do ensaio “Propostas sobre Movimento”, articulando a rejeição à ênfase na pintura tradicional e no indivíduo representado pela abstração lírica que, apesar das objeções verbalizadas por Giraud, dominaram a Bienal de 1961.


Instabilidade: O Nome do Jogo

Na ocasião da segunda exposição no ateliê do Marais, em novembro de 1961, considerada uma “apresentação amigável” de pesquisas, o GRAV publicou um novo texto esclarecendo seus objetivos, “Transformer l’actuelle situation de l’art plastique” (Transformar a situação atual das artes plásticas). No ensaio, os artistas declaravam a intenção de “criar trabalhos que podem ser feitos em múltiplos. [Buscar] novas categorias de produções, além e acima da pintura e da escultura”.19

A maior parte do texto rejeitava pontos dos outros manifestos que eles publicaram em 1961. Os membros do grupo concordaram em rejeitar dois dos pontos de partida primários dos anos 1950, “forma geometrizada (arte construtivista abstrata)” e “forma racionalizada (Arte Concreta)”.20  Exigiam o desenvolvimento de “uma nova situação visual baseada no campo periférico da visão e na instabilidade”, e que a arte assumisse um papel maior na sociedade: “Libertar o público das inibições e distorções da apreciação promovida pelo esteticismo tradicional, criando uma nova situação artista-sociedade”.21 Como veremos a seguir, para o GRAV, esse objetivo estava intimamente ligado ao ato de mostrar arte em diferentes espaços e contextos.

A invocação da instabilidade em “Transformar a situação atual das artes plásticas” chamava atenção para um conceito central à prática do grupo, tanto que L’instabilité (A instabilidade) viria a ser usada como título de exposições que o GRAV realizou em vários países da Europa, da América Latina e nos Estados Unidos, entre 1962 e 1964. A resposta crítica à primeira dessas mostras, realizada em abril de 1962 na Maison des Beaux-Arts, em Paris, foi, em geral, positiva e perspicaz, com críticos expressando apreço ao desejo do GRAV de desmistificar a noção de arte como produto de um artista singular que infunde em seu trabalho a subjetividade e a emoção, e reconhecendo que no cerne do projeto do grupo residia o desejo de restabelecer um relacionamento entre a arte e a sociedade.22

Além das intenções teóricas do GRAV, os críticos também reconheceram inovações nos trabalhos do grupo. Citando os móbiles de Le Parc, o crítico do Le Monde, Jacques Michel, elogiou os artistas pelo uso de novos materiais e por irem além da pintura: “eles frequentemente transpõem o fenômeno visual, não sobre a superfície pintada da tela, mas no espaço, por meio de uma construção particular de elementos que tendem a criar um movimento instável e indeterminado”.23

Os comentários também vinham diretamente dos visitantes por meio de um questionário, “Au Public” (Ao Público), que poderia ser preenchido e depositado em uma caixa na galeria.24  As 2 mil respostas indicavam pessoas familiarizadas com o trabalho do grupo e simpatizantes de seu programa teórico mais amplo. Como em qualquer questionário, as respostas em múltipla escolha e a formulação das questões impactaram o resultado. Por exemplo, o termo “pesquisa visual” foi usado como alternativa ao termo “arte”. A maioria dos consultados admitia que ainda aceitava a categoria “obra de arte”, mas ao mesmo tempo alegava não se limitar “às formas habituais (pintura, escultura)”.25  Os entrevistados estavam particularmente interessados no modo como o grupo empregava a luz e o movimento, e apreciavam as obras que incorporavam a instabilidade. Muitos disseram que não pensavam no papel do artista como algo “singular e isolado”, e que sentiam que “pesquisa visual” poderia ser considerada uma “simples atividade humana que [poderia] ser parte da sociedade”.26  Para esse fim, eles selecionaram prédios públicos e suas próprias casas como os dois espaços principais para esses trabalhos, enquanto museus e galerias foram considerados os menos adequados.

Nouvelle Tendance (Nova Tendência), participação do espectador e o fenômeno do grupo

O catálogo de L’instabilité também incluía um texto intitulado “Nouvelle Tendance” (“Nova Tendência” p.TK), no qual o GRAV escreveu sobre uma rede de artistas e grupos de artistas que pensavam de forma parecida e que ganharam reconhecimento depois da exposição Nove Tendencije, realizada na Galeria de Arte Contemporânea de Zagreb em agosto de 1961, na Iugoslávia (hoje Croácia). O artista Almir Mavignier, amigo de Morellet desde o início da década de 1950, co-organizou a exposição com o crítico de arte Matko Meštrović e com Božo Bek, diretor da galeria.27

O ensaio do catálogo escrito pelo curador Radslav Putar apresentava muitos pontos em comum com os textos do GRAV do mesmo período. Ele explicava que os trabalhos expostos não eram estáticos ou sujeitos a restrições temporais de “início e fim”. Putar afirmava que os artistas – entre eles, Le Parc, Stein e Morellet – tinham a “autoconfiança de pesquisadores tenazes, a sabedoria dos matemáticos, a sobriedade dos técnicos, os escrúpulos dos trabalhadores ... e um destemor em face do risco da impossibilidade”.28

A exposição de Zagreb inspirou o GRAV a começar uma extensa campanha de escrita de cartas para artistas e grupos de artistas e também para Jean Cassou, o diretor do Musée national d’art moderne de Paris, com o objetivo de organizar projetos sob o estandarte único Nouvelle Tendance (Nova Tendência).29  O texto de 1962 representa uma primeira tentativa de definir a Nouvelle Tendance, embora o GRAV admitisse que “a natureza da Nova Tendência não é definitiva”, notando que os trabalhos de muitos dos artistas exibiam traços da Arte Concreta, do Construtivismo, do Tachismo e do Neo-Dada, “nuances” que o grupo considerava incompatíveis com a Nouvelle Tendance.

Embora a maior parte do texto mostrasse tudo a que a Nouvelle Tendance se opunha, ele também era uma tentativa preliminar de definir a que esses artistas eram favoráveis. O GRAV declarou que os principais objetivos dos artistas associados a esse fenômeno incluíam que “deveriam considerar a obra de arte não definitiva”, a “apreciação em termos mais exatos do ‘ato da criação’”, e “a transformação da atividade em pesquisa contínua sem outra preocupação que não a de revelar os elementos básicos para que possam ser considerados de forma completamente separada do fenômeno artístico”.30

Esse ensaio também incluía uma lista de artistas da Nouvelle Tendance, com uma lista subsequente circulada em uma carta do GRAV para seus colegas enviada em outubro de 1962.31  A lista enfatizava a presença dominante de grupos de artistas: Equipo 57 (Córdoba, 1957-65), GRAV, Gruppo N (Pádua, 1959-64), Gruppo T (Milão, 1959-67), Nul (Amsterdã e Arnheim, 1961-66), e Zero (Düsseldorf, 1957-66).32  A lista também incluía uma série de artistas sul-americanos – Martha Boto, Carlos Cruz-Diez, Jésus Rafael Soto e Gregorio Vardanega – e os artistas italianos Getulio Alviani, Dadamaino e Bruno Munari, que não haviam participado da exposição de 1961. A participação do GRAV na exposição patrocinada pela Olivetti, Arte programmata, arte cinetica, opere moltiplicate, opera aperta alguns meses antes havia solidificado a relação do grupo com seus colegas italianos para além do Gruppo N, que havia organizado uma exposição do GRAV no início de 1961 no estúdio/galeria do grupo, Studio N.33  Ivan Picelj e Julije Knifer representaram a Iugoslávia. E dois pioneiros da arte e movimento que haviam sido destaque na emblemática exposição Le Mouvement, Pol Bury e Yaacov Agam, estavam na lista.

O GRAV frustrou-se pela falta de respostas à carta de outubro, por isso sob a iniciativa de Le Parc uma reunião foi convocada no ateliê do Marais, em 11 de novembro de 1962. Essa reunião e as discussões subsequentes resultaram na adoção do nome NOUVELLE TENDANCE – recherche continuelle (NTrc) para denotar o comprometimento dos artistas com a definição da prática artística de maneira similar à dos cientistas (fig. TK). Eles conduziam uma pesquisa plástica que, por sua própria natureza, era contínua e produzia trabalhos cuja aparência mudava constantemente em resposta a várias condições externas.

O texto de Le Parc de setembro de 1962, “À propos de: art–spectacle, spectateur–actif, instabilité et programmation dans l’art visuel” (“Sobre Arte como Espetáculo: o Espectador Ativo, Instabilidade e Programação nas Artes Visuais, p.TK), discutia modos de tornar a arte e a experiência de sua visualização mais dinâmicas e interativas.34  Ele empregou a palavra “situações” para descrever trabalhos que resistiam “ao caráter estável e acabado das tradicionais” pinturas e esculturas. Ele distinguiu sua abordagem do espetáculo: “A noção de espetáculo sempre foi pejorativa quando aplicada às artes visuais. Ao admitir sinceramente a reversão da situação tradicional do espectador passivo, encontramos uma maneira de contornar a ideia de espetáculo e chegamos à noção de participação ativa ou ativada”.35

Essa afirmação ecoa, por sua vez, a análise de Guy Debord sobre o espetáculo inicialmente desenvolvida no contexto da Internacional Situacionista, no começo dos anos 1950. No texto “Em direção a uma Internacional Situacionista”, escrito em junho de 1957, Debord criticou o espetáculo da sociedade de consumo contemporânea, que enfatizava a não intervenção e a “identificação psicológica com o herói”.36  Ele propôs a “construção de situações” que “não mais correspondiam a nenhuma das categorias estéticas tradicionais”. Especificamente, Debord advogava pela “invenção de jogos de um tipo essencialmente novo”, os quais atrairiam pessoas para “atividades por meio de provocações de [suas] capacidade de revolucionar [suas] próprias vidas”.37

Le Parc e os outros membros do GRAV viam os trabalhos não definitivos e suas explorações formais da instabilidade como um espelho conceitual da instabilidade da própria realidade. Le Parc também via esses trabalhos como meios para realizar um aspecto determinante do programa do grupo entre 1962 e 1968: a ativação do espectador para sugerir, por meio das artes visuais, um modelo para que os membros da sociedade sejam menos dependentes e mais engajados. No texto de 1962, Le Parc delineava várias maneiras de ativar o espectador. Ele alegava que, ao verem outro espectador engajando-se com o trabalho, os espectadores transformavam aquela pessoa no observado, no objeto de contemplação, e assim em uma “obra-espectador”.38  Essa situação incorporava o potencial para a interação de múltiplos espectadores, o que segundo Le Parc poderia ser encorajado ao apresentar “esculturas que podem ser manuseadas, danças que podem ser pintadas, pinturas para esgrima etc.”.39

No final do mês de setembro de 1963, o assunto dos grupos de artistas e seu papel na conexão entre a arte e objetivos sociais mais amplos dominava as discussões na 22a convenção internacional de artistas, críticos e estudantes de arte em Verucchio, Itália. Logo antes da convenção, os grupos haviam sido o ponto focal da quarta Bienal Internacional de Arte na República de San Marino, Itália, com o primeiro prêmio sendo concedido ao Gruppo N e Zero, a medalha de outro ao GRAV e menção honrosa ao grupo Equipo 57. Vários artigos surgiram sobre as implicações dessa nova tendência em direção a uma prática artística coletiva. Como observou o crítico Giorgio de Marchis em sua resenha da Bienal:

[Os grupos enfatizaram] o aspecto social, exposto nos trabalhos produzidos por uma metodologia similar à pesquisa cientifica, em um trabalho coletivo de trocas e verificação de experiências com um objetivo final em mente... e efetivamente intervindo na produção de novos valores de dentro da sociedade contemporânea ao invés de protestar contra ela pelos meios artísticos tradicionais.40


Na convenção em Verucchio, Le Parc apresentou o artigo “Proposition pour un lieu d’activation” (Proposta para um espaço de ativação)41  em nome do GRAV, no qual ele declarava que “as pessoas hoje estão sujeitas a uma organização social baseada na predominância da dependência, e o espectador das artes visuais também fica preso nessa situação”.42  Ele alegou que todos os esforços para minar a passividade da contemplação da arte tinham o potencial de destacar e amenizar os problemas que caracterizavam a sociedade em geral ao encorajarem os espectadores a agirem.

Le Parc introduziu uma estratégia para engendrar um “clima de comunicação e interação”, a criação de um lugar hipotético “que pode ter o caráter e a aparência de uma galeria de arte experimental, de um palco, de uma televisão, de uma sala de conferência, de um ateliê, de uma escola, e assim por diante ... mas que não terá nenhuma dessas características específicas”.43  Sua descrição dos tipos de experiências que poderiam se realizar nesses lugares parece um roteiro para um happening; nesses ambientes reconstruídos, uma combinação de luz, som e objetos convidaria o público a reagir e, em alguns casos, à sua participação ativa. O resultado seria “a consideração de uma situação coletiva com a qual todas as ações individuais contribuíram”.44

Reconhecimento oficial: o GRAV na Terceira Bienal de Paris

Alguns meses depois de ter escrito o texto “Proposition pour un lieu d’activation”, e ao mesmo tempo que Le Parc o proferia na convenção na Itália, o GRAV apresentou um espaço construído na terceira Bienal de Paris, na qual figurava uma nova seção para travaux d’équipe (trabalho em equipe). Raymond Cogniat, um membro do conselho organizador da Bienal, descreveu os grupos como “uma vanguarda ao extremo”, dizendo que estavam “preparando o futuro de formas extremamente originais por meio da colaboração entre diferentes disciplinas artísticas”.45

O grupo novamente usou L’instabilité como título do trabalho colaborativo, mas nesse caso acrescentaram um subtítulo, “Le labyrinthe” (O labirinto). O grupo escolheu esse termo para descrever seu primeiro grande trabalho coletivo, uma combinação de objetos feitos individualmente e ambientes em escala real compostos de vinte “situações” apresentadas em uma série de sete espaços conectados que pretendiam evocar a estrutura intrincada dos labirintos (fig. TK).46  Eles convidaram os espectadores a tocar os trabalhos e a participar – jogando com os objetos que fugiam às categorias estéticas tradicionais.

No catálogo, o GRAV explicou que a “pesquisa” então apresentada era “de um lado, sobre a transposição de alguns dos principais aspectos de seus trabalhos para uma escala arquitetônica e, de outro lado, uma abertura para novas experiências”.47  Em textos anteriores, o grupo enfatizara a relação entre o objeto e o olho humano. Na descrição, o GRAV sublinhou a mudança de foco apontada no ensaio de Le Parc de 1962 e no texto de Verucchio: “O interesse nessas experimentações reside na participação do espectador”.48  É significativo que, nesse texto, o GRAV tenha recuado de suas alusões anteriores a uma correlação direta entre a arte de seus membros e a ciência. Eles alegavam que haviam tratado os espectadores de forma diferente daquela pela qual os cientistas tratavam os participantes humanos em seus experimentos: “o interesse aplicado pelo Grupo no espectador é diferente daquele que poderia lhe ser emprestado por uma mente científica em busca de descobertas, que poderia usá-lo como fator estatístico ao submetê-lo a testes”.49

O texto declarava que “o abandono do caráter fechado, definitivo e estático dos trabalhos tradicionais tem sido o primeiro passo em direção ao rejuvenescimento do espectador que é, via de regra, confinado a uma contemplação limitada por seu nível individual de educação, cultura, apreciação estética etc.”.50  Em contraste, o GRAV buscou reconhecer a capacidade do espectador de reagir a “novas situações”, como, por exemplo, na obra Cellule à pénétrer (Célula penetrável, 1963), de Le Parc, uma sala de paredes cobertas de alumínio e cheias de chapas de metal reflexivo. O movimento do espectador no interior do trabalho resultava em sons e imagens, já que as chapas ressoavam ao tocarem umas nas outras e nos espectadores. O trabalho estava em estado de constante movimento por causa de sua recriação com cada sucessiva onda de visitantes; ele mudava, mesmo que de maneira sutil, toda vez que era encontrado.

Embora os membros do GRAV também tenham apresentado trabalhos individuais na Bienal – por exemplo, Le Parc mostrou seu maior móbile até aquele momento (fig. TK) –, o labirinto recebeu grande parte da atenção crítica. O arquiteto da Bienal de Paris, Pierre Faucheux, escreveu um artigo sobre a exposição, o que levou o GRAV a responder com um novo manifesto. Faucheux anunciou a morte da arte abstrata e da arte figurativa, e afirmou que uma nova arte vital havia nascido usando meios técnicos e “proclamando um novo conteúdo”, que ele definiu como “simbólico, psíquico, planetário, universal, caro a todas as pessoas e todas as nações, vital”.51

Em “Assez de mystifications II” (Basta de mistificações II), o GRAV citou o título do artigo de Faucheux ao expressar o “desgosto do grupo sobre uma situação que, embora esteja passando por mudanças aparentes, ainda persiste (o look mais recente: ‘O grito de uma arte vital’)”. O texto segue:

Está tudo muito bem e é bom falar sobre integração das artes. Está tudo muito bem e é bom falar sobre lugares poéticos. Está tudo muito bem e é bom falar sobre uma nova fórmula da arte. Está tudo muito bem e é boa a articulação do grito que os outros não estão gritando. O circuito da arte, atualmente, ainda está em loop.52

O grupo se incomodou com os especialistas em arte que tentaram mediar as experiências visuais dos espectadores. O GRAV alegava que essa necessidade de os especialistas demonstrarem seu status como “iniciados” e conhecedores raras vezes ajudava o espectador, que frequentemente se afastava da literatura da arte com um “complexo de inferioridade”.

O GRAV defendia a abertura do “círculo da arte atual” e a diminuição das distâncias entre o espectador e a obra de arte por meio de formatos como o do labirinto. Eles expressavam a esperança de que o espectador iria “desenvolver uma habilidade marcante de perceber e agir”.53  Enquanto isso, pediam aos visitantes que abraçassem o chamado rebelde e anárquico com o qual concluíam seu manifesto:

É PROIBIDO NÃO PARTICIPAR

É PROIBIDO NÃO TOCAR

É PROIBIDO NÃO QUEBRAR54


Primeiro Prêmio na Bienal de Paris e um novo status

Esse manifesto reafirmou o já declarado comprometimento do GRAV de desafiar o sistema da arte. No entanto, é irônico de muitas maneiras que eles o tenham lançado virtualmente ao mesmo tempo que receberam o primeiro prêmio da Bienal de Paris na categoria trabalho em equipe. Isso deu ao GRAV um novo status, que rapidamente se traduziu na capacidade de afinal realizar a proposta de 1962, de organizar uma grande exposição da Nouvelle Tendance em Paris. Coincidindo com o prêmio, o GRAV informou a seus colegas que Michel Faré, o diretor do Musée des Arts décoratifs localizado no Palais du Louvre, havia recebido muito bem a ideia de montar uma exposição do movimento internacional NTrc ao invés de apresentar apenas o grupo GRAV, e que havia concordado em permitir que os artistas assumissem a maior parte da responsabilidade pela organização da mostra. Le Parc explicou que o museu havia oferecido uma sala “fantástica”: “Essa é a mais importante [sala] do museu para exposições temporárias: é aquela que foi usada para as mostras de Chagall, Matisse, Tobey etc.”55

Esse convite veio em um momento de grande tensão entre os membros italianos da NTrc e Le Parc. Reuniões na segunda exposição Nove Tendencije em Zagreb, em agosto de 1963, resultaram na eleição de quatro coordenadores para representar os vários centros geográficos das atividades internacionais do movimento – Meštrović (Iugoslávia), Enzo Mari (Itália e Suíça), Le Parc (França, Holanda e Espanha) e Gerhard von Graevenitz (Áustria, Inglaterra e Alemanha) – e, logo depois, em três documentos, incluindo uma história, um conjunto de regras e o primeiro boletim da NTrc.56  O boletim de cinco páginas detalhava o processo para decisão dos membros, a estrutura organizacional do movimento e seus primeiros objetivos: a “razão principal da existência da NOUVELLE TENDANCE – Recherche continuelle é a necessidade generalizada de intercomunicação e trabalhos em comum”.57  Isso indicava que a filiação dos membros não era definitiva e estava sujeita a reavaliações periódicas, um ponto sublinhado pela lista de artistas que haviam sido excluídos por causa das discussões em Zagreb.

Mari declarou que o boletim havia falhado em representar as discussões em Zagreb, e acusou Le Parc de tentar usurpar o controle e impor a linguagem do GRAV sobre a NTrc.58  Uma intensa campanha de cartas entre vários membros seguiu-se a esse episódio durante o restante do ano de 1963, sucedida por um encontro em Paris em janeiro de 1964 com o objetivo de resolver as diferenças sobre os documentos de agosto de 1963 e de seguir em frente com a exposição da NTrc no Louvre.

Apesar das brigas internas que dominaram a NTrc por quase um ano, Propositions visuelles du mouvement international Nouvelle Tendance abriu no Palais du Louvre, Pavillon de Marsan, em 17 de abril de 1964. A mostra incluía 52 artistas de 11 países. Em seu prefácio ao catálogo, Faré ofereceu uma breve história da evolução do movimento, destacando a formação de grupos de artistas. Ele citou 1960 como um divisor de águas, porque marcava o nascimento do GRAV, do Gruppo N e do Gruppo T, e o ponto no qual o Equipo 57 se estabeleceu firmemente.

Faré se baseou fortemente nos escritos do GRAV ao definir os princípios fundamentais da NTrc. Explicou que esses artistas queriam desmistificar a arte negando-se a permitir que ela tivesse um caráter definitivo e tornando-a “mais acessível e social”.59  Para essa finalidade, os objetos, que não eram pinturas ou esculturas singulares, convidavam à participação e eram “reprodutíveis, transformáveis, instáveis”. Em resumo, Faré afirmou que os artistas da NTrc “davam grande importância ao princípio da instabilidade que justifica um espaço-tempo [contínuo] constantemente mutável, para melhor responder à nossa sensibilidade contemporânea”.60


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