Por Paulo Miyada e Priscyla Gomes
Entre o lançamento do álbum Tropicália, os festivais de música, as gravações do programa de TV Divino, Maravilhoso e a promulgação do AI-5, muitos eventos marcaram a trajetória do cantor e compositor Gilberto Gil em um ano de intensa experimentação e da dolorosa experiência da prisão e do exílio.
Em 1968, o tropicalismo emergiu da aproximação de diversos expoentes da música, da poesia e das artes visuais – como Gil, Caetano, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Torquato Neto e Rogério Duarte, entre outros – que fizeram do Rio de Janeiro um caldeirão para expressão de um movimento contracultural. Tendo no álbum Tropicália sua obra-manifesto, o grupo buscava novas expressões da música popular brasileira, aliando influências da bossa nova e do rock ‘n’ roll britânico.
Embora houvesse um sentimento de inevitabilidade para a prisão de Gil e Caetano, um episódio ocorrido na Boate Sucata foi tido, por muitos, como uma das suas justificativas formais. O cenário do show apresentado pela dupla continha uma bandeira de Hélio Oiticica com a inscrição “SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI”, e o apresentador de rádio e televisão Randal Juliano lançou o boato de que os artistas estavam profanando a bandeira nacional.
A prisão de Gil e Caetano ocorreu em 27 de dezembro de 1968. Dias antes, haviam realizado a gravação do episódio natalino do programa Divino, Maravilhoso. Caetano conta que no programa escrito para as festividades de fim de ano ele aparecia cantando uma canção natalina com um revólver apontado para a têmpora. Disse ter sentido, naquele momento, que havia ido longe demais. De fato, a somatória de gestos de questionamento e a visível liberalidade nos costumes, estigmatizada pelos trajes e posturas, fixara nas figuras de Gil e Caetano a alcunha de subversivos.
O período de prisão e o exílio trazem episódios dolorosos para ambos, a forte depressão de Caetano, aqui apontada por um depoimento-desabafo que enviou de Londres ao jornal O Pasquim, e o sentimento de interrupção abrupta descrito por Gil em seu depoimento gravado em junho de 2018. [PG]
Depoimento colhido por Paulo Miyada e Priscyla Gomes em 8 de junho de 2018
HD, cor [color], 20min 27s
Edição, fotografia e câmera: Ricardo Miyada
Técnico de Som: Matheus Fernandes
Barra 69 – Caetano e Gil ao vivo na Bahia
Após um período de encarceramento no Rio de Janeiro, Caetano Veloso e Gilberto Gil permaneceram 4 meses em prisão domiciliar em Salvador. Era início de 1969 quando souberam que deveriam se exilar do país. Assim como a notícia da prisão de ambos, no final de 1968, fora omitida na imprensa – publicavam-se justificativas precárias de suas ausências em premiações e eventos –, a censura promulgada com o AI-5 também dificultava a veiculação dos destinos da dupla.
Foi no ínterim entre a notícia do exílio e a partida dos artistas que surgiu Aquele Abraço. A canção composta por Gil em tom de despedida acabou ganhando repercussão nacional. “Aquele abraço”, frase inúmeras vezes repetida pelos soldados no quartel onde Gil permaneceu detido no Realengo, referia-se ao bordão usado num programa humorístico da época. O Rio de Janeiro em uma quarta-feira de cinzas, na música, exprimia as lembranças e também o reencontro de Gil com a cidade, após sua soltura.
Antes de partirem para o exílio, em julho de 1969, Gil e Caetano realizaram dois shows de despedida no Teatro Castro Alves. Havia o claro intuito de marcar a saída dos artistas do país, uma saída forçada pelo regime e, naquele momento, sem perspectiva de volta. Muitos expoentes da cultura, particularmente da música, viajaram para assistir às apresentações, e algumas canções foram compostas exclusivamente para a ocasião. No repertório estiveram Cinema Olympia, Atrás do Trio Elétrico, Alegria, Alegria, Frevo Rasgado e Domingo no Parque, além de uma versão do Hino do Sport Clube Bahia.
Embora o teatro estivesse lotado nas ocasiões, quase nada foi veiculado na imprensa, à exceção de pequenas notas mencionando as mais de 2 mil pessoas presentes. Os shows foram registrados de maneira precária, e o LP ao vivo foi lançado somente em 1972. [PG]
Gravação: 20 e 21 de julho de 1969, Teatro Castro Alves, Salvador, Bahia
Gravadora: Polygram/Philips
Produção: Nelson Motta, Paulo Lima, Roberto Santana
Capa e encarte: Luciano Figueiredo e Óscar Ramos