AI 5 - 50 ANOS | TEATRO E OPINIÃO
Por Luise Malmaceda*

No campo teatral, a resposta imediata ao golpe veio em dezembro de 1964, no Rio de Janeiro, com o musical Opinião, dirigida pelo dramaturgo Augusto Boal, que reuniu a cantora bossa-novista Nara Leão e os compositores Zé Keti e João do Vale. O espetáculo, análogo às ações dos Centros Populares de Cultura da UNE, valorizava os sons da cultura popular e a utopia de integração política nacional, mas ao contrário de buscar o público em portas de fábrica, mobilizava a classe média. Opinião lotou salas de teatro por noites a fio e resultou na gravação em disco de suas canções – várias proibidas de tocar nas rádios. A razão da censura: o imperativo da arte como expressão de resistência; máxima explícita no samba heroico de Zé Keti, “Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”. Outras respostas mais contundentes à conjuntura sociopolítica surgiram em 1968, no Teatro Ruth Escobar. Em maio, estreava Roda Viva, do Teatro Oficina, concebida e interpretada sob a alcunha de guerrilha artística, com uma montagem que procurava mobilizar o público pela violência. No mês seguinte, a I Feira Paulista de Opinião entrava em cena, organizada pelo Teatro de Arena e dirigida por Augusto Boal. A peça reuniu fortes colaboradores, como os dramaturgos Lauro Cezar Muniz, Bráulio Pedroso, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Plínio Marcos; os compositores Edu Lobo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil; os artistas Nelson Leirner, Manabu Mabe, Wesley Duke Lee, Maria Bonomi, Sérgio Ferro; os poetas Augusto e Haroldo de Campos; os cineastas Luís Sérgio Person e Maurício Capovilla, entre tantos outros que responderam ao questionamento-provocação de Boal: “O que pensa você do Brasil de hoje?”.

Ao todo, seis peças foram produzidas, a exemplo de A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, que Boal dedicou a Che Guevara, e Animália, que Gianfrancesco Guarnieri construiu com personagens-tipo do período, como o soldado, o hippie e o militante.

Os textos foram submetidos aos órgãos oficias de censura, cuja resposta foi anunciada apenas no dia de estreia do espetáculo, com a absurdez de 84 cortes, condição que ceifava qualquer dramaturgia. Até então, nenhuma obra havia sofrido cortes de páginas inteiras.

Como consequência, em um ato de desobediência civil, Boal e equipe decidiram apresentar a peça na íntegra, gerando embate com a Polícia Federal, que a suspendeu em definitivo. A classe teatral recorreu ao Ministério da Justiça, dando início a longos debates e uma sequência de liberações e proibições dos textos por instâncias da Justiça Federal. Ao final, no entanto, a peça foi liberada com a obrigatoriedade de que se respeitasse a maioria dos cortes, decisão nunca acatada por diretor e artistas, que seguiram apresentando I Feira Paulista de Opinião sem censurar sequer uma palavra.

I Feira Paulista de Opinião, 1968
Fotografias: Dely Marques
Atores: Luiz Carlos Arutin, Zanoni Ferrite, Rolando Boldrin, Cecilia Thumim, Aracy Balabanian, Renato Consorte, Myriam Muniz
Acervo Instituto Augusto Boal





Documento de cortes dos censores, 1968
Acervo Instituto Augusto Boal







Documentos na exposição AI-5 50 anos: ainda não terminou de acabar, 2018
Acervo Instituto Augusto Boal


TEATRO OFICINA


Em 1968 estreava Roda Viva, a ingênua história de um ícone musical fabricado para o consumo que ganhou conotação de “teatro da agressão” com a direção de Zé Celso Martinez Corrêa. Em seguida, no dia da promulgação do AI-5, o Teatro Oficina lançou Galileu Galilei, mais uma peça agressiva cuja crítica à perseguição da Igreja se fez também resposta ao momento opressivo vivido no país. Ambas radicalizavam a cena e buscavam se desvencilhar da ideia de teatro como contemplação ao transgredir os limites entre palco e plateia.


Programa da peça Gracias, Señor, 1971
Arquivo Edgard Leuenroth



Mas foi com Gracias, Señor que o Oficina rompeu definitivamente com as convenções cênicas, exigindo novo posicionamento do público e do meio cultural. No auge das prisões políticas e torturas perpetradas pelo regime militar, o teatro assumiu papel de “guerrilha artística” para mobilizar a consciência dos espectadores. Em um roteiro de 3 horas e meia aberto ao imprevisto e à subjetividade dos sujeitos e dos atores (por vezes trazendo perseguidos políticos ao palco), Gracias, Señor explicitou a consciência do estado de esquizofrenia vigente diante da impossibilidade de contestação.

Em silêncios contundentes e mais gestos que palavras, a peça foi um retrato de uma geração que revirava a ruína de um tempo de hostilidade.

Registros fotográficos da peça Gracias, Señor, 1971 
Arquivo Edgard Leuenroth




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*Responsável pela seleção dos documentos sobre o Teatro Oficina.