MADE IN ITALY: A CONSTRUÇÃO DO ESTILO ITALIANO

Por  Priscyla Gomes, Luise Malmaceda e Theo Monteiro


         A profusão do design italiano pode ser atribuída a diversos fatores, sobretudo ao investimento da indústria na criação de produtos diferenciados e ao incentivo aos artistas, arquitetos e artífices locais, simbolicamente representados pelo mote do Made in Italy. Mas existiria de fato um estilo italiano? Características, formas ou ideologias que o diferenciem ou destaquem em relação ao restante da produção industrial presente no mundo?

As novas exigências da vida doméstica e da sociedade de consumo, trazidas à tona em um processo veloz de internacionalização do American way of life dos anos 1950, bem como a necessidade de atingir esse mercado fazendo frente à homogeneidade dos produtos de massa, criaram o desafio de diferenciação das indústrias nacionais. Na Itália, apostou-se na criação de uma nova sensibilidade para produtos, conservando na produção industrial a nítida vocação artística italiana, de incentivo à inventividade e longa tradição de grandes artífices. Essa excelência artesanal foi fator chave na tradução de projetos, muitos dos quais preliminares e por vezes apenas esboços, em objetos prontos para o mercado. Uma visão simplificada do processo de criação dos projetos pode distinguir entre uma fase criativa, a cargo do designer, e outra de implementação, baseada nas habilidades manuais e técnicas do artesão, e pode-se dizer que o sucesso do design italiano se deve, em grande parte, à efetiva combinação entre criatividade e destreza técnica. A qualidade dos produtos finais, o cuidado no processo de fabricação e a competência artesanal na execução são marcas inconfundíveis, fazendo-se presentes em vários suportes que descrevem as características de refinamento dos produtos italianos.

Para a consolidação de gerações de designers e artistas do país, foi essencial o incentivo da indústria e dos empreendedores, entre eles a Olivetti, que em plena crise de 1929 criou um setor de projetos em sua empresa, convidando artistas e arquitetos para colaborar ativamente no desenvolvimento de seus produtos. Outros exemplos são a Fiat, do empresário Giovanni Agnelli, que sempre se valeu da criatividade de designers para concepção de seus automóveis, e a Kartel, de Giulio Castelli, que desde o seu nascimento tem o design como estratégia primordial de distinção no mercado.

Mais do que um estilo no sentido puramente estético, as expressões que emergem para designar essa produção industrial, entre elas Bel Design, Estilo Italiano ou Made in Italy, dizem respeito a um procedimento de criação artística que não se limita aos aspectos somente funcionais e técnicos ou às normas de um determinado movimento, mas que se abre à experimentação, questionamento e reflexão quanto ao próprio sentido do design. Não por acaso nomes da vanguarda italiana contribuíram na criação industrial do período, como os artistas Giorgio de Chirico e Bruno Munari. Interessava à Itália pensar nos novos caminhos para os produtos até então gerados, adicionando elementos lúdicos e de contestação em criações industriais.

ANTECEDENTES: O DESIGN ITALIANO ANTES DO MILAGRE ECONÔMICO

O tardio processo de industrialização, que se dá especialmente no norte do país, na região de Milão e Turim, inseriu paulatinamente a Itália no processo de modernização capitalista, conservando ainda particularidades e vicissitudes regionais, dentre elas a produção artesanal. Ainda que a produção industrial do norte crescesse, a tradição artesanal persistiu fortemente ao longo de toda a primeira metade do século XX. Ela estava de tal modo enraizada que as guildas de artesãos, oriundas da Idade Média, ainda existiam no final do século XIX.

Assim sendo, grande parte da historiografia do design trata da impossibilidade de se falar em design italiano antes de 1909, não só pela persistência da tradição artesanal secular, mas também por ser o processo industrial ainda muito recente. Essa situação começa a sofrer alteração com o advento do Futurismo, o movimento vanguardista italiano liderado por Filippo Marinetti e que teve como seguidores outros importantes artistas, como Fortunato Depero e Umberto Boccioni.

O Futurismo tinha como principal característica a exaltação das conquistas tecnológicas do mundo moderno, em especial as máquinas (carros, aviões, fábricas e guerras) e a velocidade, questões constantes nos trabalhos desses artistas. É graças a esse movimento que o design gráfico Italiano começa a dar seus primeiros passos, sobretudo nos campos da publicidade e da tipografia.

Em um movimento que exaltava a indústria e a modernidade como um todo, a publicidade ocupava importante papel, já que era evidente manifestação da vida moderna. Tal veículo encontrou em Depero um fundamental difusor. O artista foi o responsável por realizar diversos rótulos e anúncios propagandísticos para o drinque Campari, entre muitos outros trabalhos. Posteriormente, vivendo nos Estados Unidos, continuou trabalhando com design, tendo realizado capas para importantes revistas, como a Vanity Fair.

Importante característica dos trabalhos de Depero, também presente em outros futuristas, era seu caráter lúdico. O dinamismo das cores, os personagens, os recortes, a simplicidade, tudo isso era carregado de um proposital elemento infantil, que tinha como meta justamente despertar a atenção e o riso desse público, arrastando junto os adultos.

A tipografia foi outro elemento que sofreu alterações com o advento dos futuristas que conferiam às letras e palavras um caráter expressivo, utilizando-as não como meros signos alfabéticos, mas como se fossem imagens. Procedimento semelhante ao presente nos filmes mudos, quando as imagens davam lugar a um letreiro sinalizando o que estava sendo dito.

A revista Lacerba, conduzida por Marinetti, Giovanni Papini e Ardengo Soffici, foi um importante vetor desse novo uso da tipografia. A hierarquia de palavras e letras, presente no texto tradicional, era abolida, e as palavras circulavam quase que livremente, em toda a sua diversidade. O procedimento, no entanto, não era simples. Soffici, por exemplo, recortou tipos de madeira, letras de pôsteres e fotogravuras já existentes e utilizou-os na impressão. Aplicava também nas colunas de texto variações abruptas de estilo e tamanho de tipo: ora letras grandes sem serifa, ora muito pequenas. Tudo isso não raramente intercalado por pedaços de anúncios. Essa ruptura com o layout simétrico tradicional da página impressa foi um importante passo dado pelos futuristas e influenciou a cultura do cartaz estabelecida na Itália nas décadas seguintes.

Ao mesmo tempo que essas mudanças ocorriam, o design italiano vinha caminhando rumo à sua institucionalização: em 1923 é criada a Bienal de Arte Decorativa de Monza, na década seguinte convertida na Trienal Internacional de Arte Decorativa e Industrial de Milão. É nesse período que começam a se revelar nomes importantes dessa área, como Marcello Nizzoli, Pininfarina, os irmãos Pier Giacomo, Livio e Achille Castiglioni, Gio Ponti e Alberto Rosselli, estes últimos também criadores da célebre revista Domus. Tais figuras serão centrais nesse campo até a década de 1960.

É nesse momento que são concebidos produtos famosos como a cadeira Super Leggera, a Vespa, a Lambretta, o Fiat 500 topolino e a calculadora Olivetti Summa, e evidencia-se uma das características do desenho industrial italiano: um design de ícones e protagonistas, conhecido também como star system. Nesse sistema, cada qual imprime sua distinta poética na criação de produtos autônomos, centrados na exploração das qualidades estéticas e funcionais de necessidades da vida doméstica, como no caso de cadeiras, luminárias, telefones e automóveis. Isso significa que o design não é normativo ou ideológico, não responde a um conjunto de ideias, filosofias e objetivos comuns, tampouco a manifestos, mas está centrado na criação individual de ícones.


Lambretta 150 D, 1954

Paolo Battiston, Bologna


La Pavoni, Milão

Máquina de café

MUMAC - Museo della macchina per caffè di grupo Cimbali

 

O que há em comum nessa primeira geração é o fato de que as produções tinham como foco a continuidade e o refinamento de formas e funções já estabelecidas, reforçando características atribuídas à produção moderna, como a utilização ousada de cores, porém adicionando camadas marcadamente italianas: o investimento em técnicas avançadas de moldagem e modelagem e a experimentação com novos materiais sintéticos. A excelência artesanal foi um fator chave na tradução de projetos muito preliminares em produtos prontos para o mercado, tendo no artífice uma figura determinante em todo o processo de concepção e execução dessa produção. 

O MILAGRE ECONÔMICO E AS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE ITALIANA

Nos anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, a Itália passou por incisivas mudanças sociais e econômicas, partindo de uma condição em que mais de dois terços de sua indústria e quase 80% de sua infraestrutura precisavam de reparos ou substituição. No âmbito econômico, a Itália teria de lidar com a evidente supremacia norte-americana em seu mercado. O Plano Marshall permitiu aos Estados Unidos, em 1947, a reunificação do mercado internacional, representando para os italianos um caminho inevitável em que norte-americanos tornaram-se referência em estilo de vida e na propensão ao consumo. O cenário que se desenha é de um programa de reconstrução industrial.

Nos anos 1950, os principais fatores que caracterizaram o desenvolvimento do design italiano estenderam-se de transformações econômicas a mudanças de paradigmas cotidianos. O período conhecido como milagre ou boom econômico que marca uma aceleração da economia italiana reconfigura uma sociedade tipicamente agrícola para um dos centros industriais europeus de grande relevância. O crescimento da industrialização modifica social e economicamente o país, com a migração crescente para as cidades de Milão e Turim, principais polos industriais do período. Milão torna-se o epicentro dessa transformação, agregando importantes artistas e artífices e modificando o caráter rural a que se atrelava a sociedade italiana.

Em outra vertente, dá-se a consolidação política do governo com uma economia abertamente capitalista e adepta aos parâmetros norte-americanos de intenso consumo de bens. A indústria adquire forte caráter de exportação, com a presença maciça de produtos italianos em outros contextos no mundo todo. Durante a década de 1950, a indústria amplia sua exportação em cerca de 260%. O mercado de exportação bastante pautado pelo setor petroquímico, indústria mecânica e produtos têxteis e alimentares alcançou novos bens de consumo, principalmente eletrodomésticos. A essas mudanças associa-se um aumento da renda média dos italianos, com subsequente crescimento de seu poder de compra.

O cenário da vida cotidiana dos italianos também muda, influenciado pela difusão da televisão, da motorização em massa e da presença intensiva de produtos domésticos. Em 1954 funda-se a RAI (Radiotelevisione Italiana), um dos principais centros de transmissão televisiva e radiofônica do país. O cinema também expressa uma dicotomia entre a modernidade do contexto italiano e suas tradições, principalmente no que diz respeito a morar, vestir-se e locomover-se.

O neorrealismo – encabeçado por Roberto Rossellini, Vittorio De Sica e Cesare Zavattini, entre outros –, que marcou uma distinção na forma como o cinema era registrado, com forte cunho político e também com a escolha de camadas sociais tidas como protagonistas de uma Itália em ruínas, agora dava ensejo à representação de uma sociedade fascinada pela vida na cidade e esperançosa pela abertura econômica do país, com produções fortemente influenciadas pelos costumes burgueses. Sobressaíam produções com evidente influência hollywoodiana, remetendo a fotonovelas, às divas e aos filmes telefoni bianchi realizados em estúdios, marcados pelos ambientes internos de residências em que o telefone na cor branca era símbolo de status e diferenciação social.

A influência norte-americana afeta não somente a indústria de bens de consumo, mas a própria indústria cinematográfica. Aberto ainda no período fascista, o estúdio da Cinecittà é restabelecido na década de 1950 e sedia produções internacionais como Quo Vadis, de Mervyn LeRoy (1951), e Ben Hur, de William Wyler (1959). É a própria excelência e especificidade na execução de cenários e figurinos que insere o estúdio romano no contexto internacional, novamente destacando a forte relação entre o artesanato italiano e a emergência da indústria.

As comédias italianas dos anos 1950 e 1960 trazem exemplos de uma sociedade em transformação, difundindo também os diversos exemplares da indústria como paradigma de uma Itália moderna. O sonho da migração da província para a metrópole também aparece em diversas produções cinematográficas.

Luchino Visconti, Pier Paolo Pasolini e Federico Fellini serão alguns dos principais cineastas que retratarão os conflitos de uma sociedade com valores explicitamente conservadores e fortemente influenciados pelo catolicismo, exposta a uma abertura e liberação dos costumes. Não à toa, La dolce vita, filmado em 1960 por Fellini, tornou-se exemplar dessa nova sociedade, ainda imbricada por valores religiosos, com certa modernização decadente, atrelada a uma ausência de identidade e ao questionamento sobre o cotidiano romano, ainda bastante deslumbrado com a internacionalização pela qual recentemente passara o país.

A musa de La dolce vita, Anita Ekberg, reverenciada e perseguida por Marcello Mastroianni, aparecerá anos depois em Boccaccio 70 (1963), filme com diversos episódios dirigidos por Federico Fellini, Mario Monicelli, Luchino Visconti e Vittorio De Sica. Conformada por uma série de curtas com forte apelo televisivo, a produção traz Le Tentazioni del Dottor Antonio, em que Ekberg em um devaneio onírico do protagonista sai de um grande cartaz publicitário e passa a percorrer trechos da cidade. O episódio, típico de uma comédia italiana, é acompanhado pela repetição insistente do jingle do produto a que se referia o cartaz: “Bevete più latte / il latte fa bene / il latte conviene / a tutte le età. / Bevete più latte / prodotto italiano / rimedio sovrano / di tutte le età”. A ironia do cartaz associado ao cunho sexual é parte de uma vasta produção que encara a propaganda italiana com um caráter cômico que influenciaria desde a indústria farmacêutica até produtos infantis. Exemplos paradigmáticos são os cartazes e propagandas televisivas do Studio Testa para o café Paulista e o regulador intestinal Euchessina. Fundado em 1956 pelo cartunista e designer gráfico Armando Testa, o estúdio teria como principais parceiros Nestlé, Lavazza e Barilla.

Os comerciais televisivos são marcados pela influência do Carosello, programa realizado pela RAI entre 1957 e 1977, responsável pela disseminação de ícones e mascotes do período como Caballero e Carmencita, a Vaca Carolina e Susana Tutta Panna, entre outros. Transmitido cotidianamente, o programa exibia durante 10 minutos uma série de comerciais e chamadas que tinham como propósito a difusão dos principais produtos e marcas do mercado. Idealizado por importantes realizadores como Luciano Emmer, Luigi Magni, Gillo Pontecorvo, Sergio Leone, Ugo Gregoretti, Pier Paolo Pasolini e Federico Fellini, o programa tornou-se típico da família italiana, trazendo uma grande inovação na linguagem televisiva, pois a brevidade dos sketchs repercutiu numa linguagem direta que tinha grande penetração popular.

Em uma época na qual o rádio e os jornais passavam a ser substituídos pela televisão e a penetração capilar do cinema alcançava também as regiões mais periféricas, iniciava-se um processo de massificação do gosto cujos paradigmas mudariam paulatinamente. A dimensão icônica do design italiano se estabeleceria por intermédio de grandes indústrias que difundiam nos principais meios de comunicação novos modos de vida atrelados a produtos marcantes, jingles convidativos e identidades visuais impactantes às suas marcas.

A INDÚSTRIA E OS PRINCIPAIS ATORES

No caso italiano, é impossível dissociar o trinômio “indústria, design e artífice” como expoentes de um cenário de inventos e modificações do processo de produção de seus ícones. Particular interesse dá-se ao caso Olivetti e seus primeiros ensaios e transformações na atividade industrial italiana, que datam de 1929. Com direção de Adriano Olivetti a fábrica passa por um largo processo de renovação, tanto nas adaptações do desenho da máquina de escrever quanto na organização da produção. A reestruturação da linha de montagem trouxe a redução do tempo de fabricação, e já no início dos anos 1930 a Olivetti produzia 2 mil máquinas por ano com poucas centenas de operários, números expressivos e que precederam o boom econômico. No início de 1960, a empresa produzia por ano cerca de 650 mil exemplares de vários modelos, com tecnologia de vanguarda e importantes experimentos em materiais diversos. 


Ettore Sottsass

Máquina de escrever Valentine, 1969

Coleção Fondazione Massimo e Sonia Cirulli


Valentine, projetada em 1969 por Perry King, é um exemplo: uma máquina de escrever portátil que se tornou ícone da marca pela forma como aliou o plástico a cores fortes, conciliando a praticidade de seus materiais à facilidade do transporte. 
Um dos principais nomes associado à Olivetti foi o de Ettore Sottsass, responsável pela criação de muitos de seus modelos e que, posteriormente, contribuiria de maneira incisiva no contexto teórico do 
design italiano.

 

          Outros exemplos paradigmáticos atrelam-se à crescente motorização pela qual passava a sociedade italiana no período. Desenhado por Dante Giacosa, o Fiat 500 Topolino, cujo nome remetia ao personagem Mickey Mouse, alcançou já no fim da década de 1930 o caráter de primeiro carro produzido em massa, com recursos tecnológicos e design únicos. Após o sucesso comercial do Topolino, a indústria automobilística italiana tornou-se um fenômeno internacional, incluindo bens de consumo para as elites. A década de 1950 estabelece novos parâmetros para a produção de veículos, diversifica seus modelos e atinge outros nichos de mercado. Na mesma linha, a popularização do scooter italiano, idealizado nos exemplos da Vespa e da Lambretta, aproximou a produção italiana de uma condição de massa ainda que embrionária. Concebida para ser a máquina mais simples possível, a Vespa tinha desenho sucinto e modelagem com inspiração aeronáutica.

      Muitos desses industriais como Olivetti foram responsáveis por financiar novos projetos para seus produtos, revelando nomes de designers e estabelecendo contato com referências internacionais. Um exemplo é o de Erberto Carboni, que trabalhou tanto para Boggeri quanto para Olivetti e foi bastante influenciado pelo modernismo, emprestando a alguns de seus cartazes um estilo pós-cubista. Valia-se de fotomontagens, criando muitas vezes uma espécie de jogo entre a bidimensionalidade de seus suportes gráficos e a profundidade sugerida pelas fotografias. Foi ele também o responsável por realizar embalagens da marca Barilla e o logo da RAI, todos marcados por um estilo acentuadamente geométrico.

         Muitas dessas indústrias aliaram experimentos na escala de produção industrial a fortes investimentos em sua identidade visual e na publicização de suas marcas. Tanto a Olivetti, que teve o nome de Giovanni Pintori como um de seus principais diretores de arte e, por consequência, uma referência às diversas apresentações de seus produtos, quanto a Pirelli, fabricante internacional de pneus, são marcadas por uma associação da figura do designer em mais de uma instância na cadeia produtiva. Os pôsteres da Pirelli, sempre marcados por excelência na criação, contavam usualmente com a colaboração de nomes como Testa, Savignac e André François, além dos milaneses Bob Noorda e Aldo Calabresi, entre outros.

       A contribuição de designers estrangeiros foi larga e substancial, conferindo versatilidade e diversidade de estilos devidamente readaptados. As feiras de design de Milão, bem como revistas importantes da área como a Domus e a Stile Industria, promoveram o contato entre o design italiano e escolas alemãs e suíças. Tal presença e interferência de estrangeiros, no entanto, chega a colocar à prova a constante relação de um design italiano com referências prioritariamente nacionais. Difícil tratar do período sem mencionar o pintor e designer argentino Tomás Maldonado, que travou contato com importantes nomes como Max Bill e os italianos Bruno Munari e Piero Dorazio, passando, pouco tempo depois, a lecionar na Escola de Ulm. Maldonado foi peça fundamental na aproximação dessa Escola com o design italiano, fazendo que empresas como a La Rinascente, a Olivetti e a Pirelli estivessem atentas à produção e à crítica encabeçadas pela instituição de ensino alemã. No caso da Olivetti, Maldonado trabalha no projeto da máquina TEKNE 3 ao lado do italiano Ettore Sottssas. Na La Rinascente, ele assume o posto de diretor de imagem.

Um aspecto determinante que vale ser retomado é a reestruturação pela qual passa a sociedade italiana em seu âmbito mais familiar, atingindo importantes mudanças no uso do espaço doméstico. Essa reestruturação nuclear abrange mudanças que incorporam também reordenações e ampliações das cidades italianas, em escalas que confrontaram do mais prosaico ao urbano, tendo como pano de fundo uma cultura de projeto cuja dimensão arquitetônica estendia-se ao mobiliário e aos objetos. Sob essa ótica inúmeros arquitetos migram para o desenho industrial e passam a propor, bem como discutir suas especificidades. A migração desses profissionais não se dá somente no sentido da atuação, mas, como aponta o crítico e arquiteto Vittorio Gregotti, a análise do desenvolvimento do desenho industrial na Itália implica delimitar as confluências entre o design italiano, a cultura e a crítica arquitetônica do período.

Naquele momento, grande parte da tradição de projeto para o desenho industrial focava no ambiente interno das residências, fomentada por um contexto em que a crítica arquitetônica e a própria veiculação do design italiano davam-se por intermédio de importantes revistas de circulação nacional como a Domus e a Casabella, que discutiam um revisionismo das concepções modernas e racionalistas do morar como meio de construir uma sociedade. Essa constante relação entre design e arquitetura que permeava as discussões do contexto italiano foi gradualmente sendo substituída pela afirmação do design como disciplina autônoma.

Durante a segunda geração industrial italiana, entre as décadas de 1960 e 1970, os designers despertam seu interesse pelos aspectos culturais e sociais envolvidos no processo de criação de produtos, em detrimento dos meramente estéticos, tecnológicos ou funcionais, esses não mais privilegiados, mas aliados. Passam a destacar e questionar grande parte dos preceitos modernos. O design se torna um ato linguístico que, além de gerar comunicação visual, comunica-se com a cultura de forma mais ampla. É nesse momento que a Itália consolida-se como a maior força da criação de produtos do mundo, por ilustrar em si preocupações e características das sociedades industriais, assumindo-as em suas gamas de possibilidades, limitações e problemáticas. A ideia de design crítico (critical design), termo cunhado nos anos 2000 e hoje usado retrospectivamente para indicar essa produção, emerge em consonância ao clima de contestação dos anos 1960, e os objetos deixam de ser concebidos como entidades isoladas autossuficientes para integrarem o ambiente sociocultural. 






Dentre os nomes de maior relevância dessa vertente estão Achille Castiglioni, participante também da primeira geração, Marco Zanuso, Ettore Sottsass, Mario Bellini, Rodolfo Bonetto, Vico Magistretti, Roberto Sambonet, Anna Castelli, Gae Aulenti, G. Giugiaro e Enzo Mari.

Marco Zanuso

Radio cubo Brionvega, 1964

Coleção Fondazione Massimo e Sonia Cirulli

 

design crítico poderia ser descrito como a investigação e ação efetiva do design em relação à sociedade, pensando-o com base no questionamento de seu sentido em um contexto no qual se promove o consumo como meio de alcance da felicidade. A conscientização do papel do designer como alguém que produz, porém não controla o significado ou uso desses objetos, é o ponto crucial desse movimento.

Como meio de lidar com as contradições de suas práticas profissionais, começam a conceber objetos como comentários críticos ao que supostamente se esperaria de suas funções, assumindo como método a renovação dos projetos, o seu redesenho. Os produtos criados por esse grupo de designers são ressignificados e manipulados em suas funções socioculturais, confrontando a ideia de funcionalismo em procedimentos como o ocultamento da função pela forma (em estruturas que contradizem o que se esperaria desses produtos), ou a construção de projetos multifuncionais, que podem ser manipulados de diversas maneiras por quem os utiliza.

Neste último caso evidencia-se certa noção de espírito do tempo, dado ser um período em que diversas áreas artísticas estão repensando os seus sentidos. Essa movimentação crítica fica bastante evidente nas artes visuais, que discutem a inserção do espectador como sujeito ativo na construção das obras, não mais concebidas como apenas objetos de fetiche ou contemplação. Será entre as décadas de 1960 e 1970 que novas linguagens artísticas entrarão em cena, como a performance, o happening e a instalação.

Desse modo, vale ressaltar a frase do italiano Ettore Sottsass, que vê “o design mais como um gesto cultural no sentido antropológico do que como gesto racional e tecnológico”, e as palavras de Franco Raggi, um dos protagonistas do design crítico dos anos 1970 e editor da revista Modo, que advogou pelo “comportamento criativo no lugar de costume codificado, consciência individual no lugar da norma coletiva” O que essas sentenças explicitam é o lugar do design crítico como questionador e propositor de alternativas para o modelo ideal e universalizante promovido pelos movimentos modernos de arquitetura e design dos anos 1920.

A principal localidade em que o movimento se alicerçou na Itália foi Florença, onde arquitetos associados, professores e estudantes da Universidade se engajaram com a vertente que deu origem aos grupos Superstudio – fundado por Cristiano Toraldo di Francia e Adolfo Natalini, aos quais se juntaram Alessandro e Roberto Magris e Piero Frassinelli, em 1966 – e Archizoom Associati – formado no mesmo ano pelos arquitetos-designers Andrea Branzi, Gilberto Corretti, Paolo Deganello e Massimo Morozzi, contando posteriormente com a participação de Dario Bartolini e Lucia Bartolini.

Juntos, os grupos organizaram, já no ano de sua origem, a exposição intitulada Superarchitettura, na Galeria Jolly2, na província de Pistoia. A mostra conjugou produções das vertentes de ambos, as quais se afastavam da tradição e desafiavam a noção de bom gosto, que acreditam ser obsoleta, fazendo uso de elementos kitsch e da ironia como modo de rejeitar as imposições da produção industrial em favor de valores utópicos, ideologicamente livres dos pressupostos modernistas. Exibiram-se protótipos e projeções de ambientes e móveis sob afirmação do antidesign, questionando a padronização da produção industrial racional, linear e bauhausiana que vigorava à época. O grande destaque da mostra ficou com o sofá Superonda, criado pelo Archizoom e produzido pela fábrica Poltronova. Por não ter um formato definido, mas curvas que poderiam ser usadas de diversas maneiras, possibilita uma ampla gama de posicionamentos do corpo em seu espaço, bem como um número indeterminado de lugares, cuja definição é dada pelo público.

Diversas exposições serão concebidas para o design italiano nos anos seguintes. A mais marcante talvez seja a realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) em 1972, sob o título Italy: the new domestic landscape. A mostra exibiu 180 objetos de uso doméstico e 11 ambientes comissionados pelo museu, com patrocínio de indústrias italianas como a Fiat, Alitalia e Olivetti. Esta produziu os audiovisuais e gráficos que introduziam as várias seções da exposição, reforçando uma parceria com a instituição iniciada nos anos 1950, com a mostra Olivetti: Design in Industry (1952). Com efeito, o museu, em sua programação, já reconhecia e propagava o design do país desde a década de 1950, destacando-se ainda, além da já citada, a exposição The Modern Movement in Italy: Architecture and Design, em 1954. Em contrapartida, o MoMA seria agraciado em 1956 com o Gran Premio Internazionale Compasso d’Oro por sua contribuição para a valorização e divulgação do design contemporâneo.

Evidencia-se assim, por meio de tais mostras, um processo de institucionalização do design italiano pela construção de um aparato de visibilização de tais criações nos anos 1960. A Itália também foi grande incentivadora do processo de internacionalização do “estilo italiano”, tanto pelas empresas locais que patrocinaram exposições no exterior, quanto pela criação de prêmios para design. Visando reconhecer a produção nacional, o país deu dois passos importantes: o primeiro com a consolidação da Trienal Internacional de Arte Decorativa e Industrial de Milão (1923) e o segundo, com a criação do Compasso D’Oro em 1954.

A Trienal de Milão torna-se ponto de referência privilegiado para o design italiano dos anos 1950 e 1960. Suas 9ª, 10ª e 11ª edições permitiram observar o crescimento do desenho industrial no país por intermédio não somente de mostras, mas de importantes debates. A Forma dell’utile apresentada como 9ª edição da mostra trazia especial atenção ao crescimento do design na realidade produtiva italiana, mantendo o enfoque no ambiente doméstico.

Junto à Trienal é fundado o prêmio Compasso d’Oro, pensado como importante propulsor à reflexão sobre uma moderna estética do produto, buscando conectar a produção do design ao grande público. Foi o primeiro, e ainda permanece como o mais relevante prêmio internacional de design do mundo, com objetivo de destacar a produção italiana em termos de indústria, design e inovação.

Assim, talvez a ideia de um “estilo italiano” – para além das características de diferenciação em relação à qualidade dos projetos e da artesania – esteja bastante atrelada a um impulso internacional gerado tanto por iniciativas internas de validação da arte nacional, quanto pela disposição das indústrias do país em angariar mercado externo. Podemos concluir com este percurso que o design na Itália não forneceu um corpo unívoco de ideias ou ideologias, mas criou estratégias e provocações que resultam na explicitação de contradições e conflitos subjacentes à produção de objetos constantemente gerados por designers. O estilo italiano tem elementos demasiadamente contraditórios para serem reunidos em uma única classificação, havendo evidentemente uma profusão de fatores que influenciam na mudança de paradigmas sociais, econômicos, estéticos e produtivos que delimitam o período em que a noção de estilo emerge. Para além desses fatores, uma linha perdura conectando sua variada produção ao entendimento de que cada designer formula suas próprias posições formais e estéticas. É justamente essa linha que parece proporcionar o surgimento de produtos inovadores, contestadores e icônicos; produtos estes que permanecem no nosso ideário do que vem a ser o saber-fazer italiano por excelência. 


¹
“Creative behaviour rather than codified custom, individual consciousness rather than the collective norm”. Franco Raggi. “The Postradical Movement and the Explosion of the Interior”. Casabella, v.380, p.74, September 1973. In: Made in Italy: Rethinking a Century of Italian Design. (Edited by Grace Lees-Maffei and Kjetil Fallan). London: Bloomsbury, 2014. p.60.