Arte Atual Festival - Coisas sem Nomes
Priscyla Gomes e Felipe Kaizer
 

Os textos a seguir visam explicitar uma série de indagações surgidas durante o processo de desenvolvimento do Arte Atual Festival. As primeiras conversas entre uma das curadoras, o crítico convidado e os artistas Pedro França/Cia Teatral UEINZZ e Luísa Nóbrega geraram rascunhos, correspondências, apontamentos e imagens por meio dos quais se delineou um formato de texto baseado em perguntas, de acordo com as premissas de uma mostra aberta à experimentação e ao acaso. Cada pergunta – escolhida entre inúmeras – suscitou tentativas de resposta por parte da curadora e do crítico. Ao término, a série ilimitada de textos, discorre sobre essas questões a fim de revisar e publicizar o processo de reflexão iniciado meses antes da data de abertura e até hoje inacabado.

 

 

PERGUNTA N1:por que um festival?

Com o intuito de dar continuidade ao projeto Arte Atual, o Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake propôs um novo formato de exposição: o Arte Atual Festival.

A iniciativa, que remete aos festivais de música dos anos 1960 e 1970, estabelece uma equação um tanto desafiadora: uma mostra “em processo”, que se vale de momentos de improviso e de decisões tomadas in loco por curadores e artistas.


Feito o convite, os artistas se lançaram à produção de obras inéditas, tendo em mente o tema do Festival neste ano e o desenvolvimento da exposição. Eles se depararam com a constante mutação de suas obras no espaço expositivo através do acréscimo, supressão e encontro de elementos. Sem o suporte de um desenho expográfico prévio ou da possibilidade de lidar com trabalhos já existentes, a mostra aponta para uma dinâmica incerta e promissora.


Antes, contudo, que assumamos o potencial da dinâmica proposta pela exposição, é preciso recordar o contexto dos festivais, propícios ao surgimento de novos gêneros musicais. Baseadas na lógica da competição e da premiação, essas ocasiões promoviam estratégias de ordem compositiva, que tiravam partido do curto tempo de audição dos jurados, e de técnicas de execução que exploravam ao máximo as reações efusivas do público. Para que fossem eficientes, essas performances eram obrigadas a conciliar aspectos previsíveis e imprevisíveis encontrados no sistema artista-público-juri. Podemos imaginar que os músicos deixassem em aberto uma parcela das suas composições e se perguntassem o que era matéria de ensaio e o que era matéria de improviso.


Se olharmos cuidadosamente para a exposição, talvez reconheçamos uma semelhança entre as estratégias dos artistas convidados e as dos músicos: vemos situações nas quais artistas “compõem” para uma ocasião efêmera, suscetíveis ao julgamento do “público” que visita obras inéditas ou em processo. Talvez sejamos capazes de concluir que o resultado imprevisto dessas ações e reações é análogo ao resultado de um festival de improvisos.


À medida que se delimitam os espaços dedicados a cada obra e os artistas revisitam suas proposta iniciais, vêm à tona a maneira como cada um equaciona expectativas pessoais e o risco de uma cacofonia advinda da contraposição de múltiplos elementos.


Em resumo, o Festival almeja uma flexibilidade rara aos ambientes institucionais, se considerarmos que cada artista e curador foram levados a rever expectativas diante das ações dos demais e a participar de um processo nunca totalmente sob controle. O que se oferece nessa ocasião, ao fim, é a abertura das condições de trabalho e dos espaços de tomada de decisão. Porém, dada a institucionalização dos papéis do curador e do artista no sistema das artes, será que a supressão de protocolos de produção e de logística é capaz de promover ou garantir novas criações? Será que as decisões tomadas pelos diversos atores no curso da exposição foram capazes de burlar ou superar as normas em vigor nesse espaço expositivo? Ou será que certos limites não são ainda desejáveis para aqueles cujo mínimo de apresentabilidade continua sendo um fator decisivo para o sucesso de suas produções? Afinal, é possível dar regra ao improviso?

 

 

Priscyla Gomes é membro da Curadoria do Instituto Tomie Ohtake

Felipe Kaizer é designer gráfico e pesquisador independente